A lição das flores

De uma forma ou de outra, temos um ponto vulnerável emocional em nossas almas, que de um minuto para outro faz com que mudemos um pensamento, uma atitude, mudemos a direção do foco de visão, e nos transportamos para paragens em lembranças remotas desta ou de outra vida que não conseguimos explicar conscientemente, racionalmente.

Fui tocada esta semana pelas flores. Das flores, remontei pensamentos para o mar e para outras situações, paisagens do passado, como fotografias em minhas mãos. Nesse momento, senti como que sorvendo perfumes e tentei identificá-los.  Fui tocada pelos coloridos das flores, da areia, do céu e do mar. Embalei-me na canção das ondas da praia, quando minha filha Janine deu os primeiros passos físicos, pisando nas areias de Camboriú, um balneário de Santa Catarina.  E lá se vão 48 anos desde aquele momento que, como filme, está gravado em minha memória.

Esbelta e pequenina, sempre gostava de ter uma fivelinha de bichinho ou de florzinha nos cabelinhos cacheados. Mostrou desde tenra idade o gosto pelo belo, pelo ético. Assim, com seu cabelinho esvoaçante ao vento da praia ao entardecer, segurando nas mãozinhas delgadas as florezinhas silvestres que sempre a encantavam e que ela permanentemente observava. Onde for que parássemos na estrada, ela as mostrava para nós.

E nesses pensamentos veio-me o artigo escrito pelo meu esposo em 1975, sobre os espigões tirando o sol da praia, o crescimento inesperado das construções que roubam espaço das praias, e avançam até mesmo dentro do mar.  Pensando na natureza mais que nunca, nos cardumes dos pequenos peixes que não passavam nas redes e vinham com seus corpos prateados boiando até serem depositados na areia da praia.  Ouvia-se “que absurdo, quantos peixes mortos!”, mas nada se fazia pela natureza. Tampouco o artigo de Luis Nelson Rossi repercutiu por mais de um dia. São muitos anos passados.

Mas nossa mente é sábia e guarda tudo.  Um depósito, um hard-drive que armazena todas as memórias que podem ser dadas a lume, quando desejamos e temos o momento e a ferramenta certa para tal.  Pois muitas memórias nos chocam, e é incrível acreditar que somos o mesmo espírito, em diferentes ações e situações e encarnações.

E pensando nos passinhos de Janine, em direção ao mar, cambaleante e corajosa, jogando as florezinhas na água, e saindo, e eu a seu lado, dando o suporte, a segurança, o apoio, o conforto de saber que pode tentar, pode aventurar, que temos sempre um ser superior a nos apoiar, a nos levantar, a nos dar as mãos, a encorajar-nos a prosseguir, a não ter medo dos bons desafios, que funcionam como lições e impulsionam ao desenvolvimento espiritual para evoluirmos.

Assim ficam nossas memórias, com o perfume das flores, o cheiro do mar, a sensação de carícia do vento, e a luz do sol, que jamais deixa de brilhar em nossas existências, seja onde for, em Camboriú, no sul do Brasil, ou aqui fora, em terras de além-mar.      

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Elsa Rossi, escritora e palestrante espírita brasileira radicada em Londres, é presidente da BUSS - British Union of Spiritist Societies. 



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