Coleção Nosso Lar: obra de ficção? - Ricardo Baesso

Com os filmes Nosso Lar e Nosso Lar II voltaram ao debate questões relacionadas à veracidade dos relatos mediúnicos de André Luiz, particularmente concernentes à vida no Além. Parecia coisa resolvida, mas não!

Eu tinha menos de dez anos e acompanhava atentamente a discussão do tema, ora sob a liderança carismática de meu avô Astolfo Olegário de Oliveira, ora patrocinado por minha tia avó Elza Baesso, ou, ainda por meus pais e tios.

Com o tempo, essa discussão perdeu o sentido e todos considerávamos como validadas as informações fornecidas pelo autor espiritual.

No entanto, confrades inteligentes, estudiosos e bem-intencionados vêm insistindo no caráter ficcional ou fantasioso da obra.

Apesar dos argumentos apresentados por eles, mantenho a posição que construí em mais de quarenta anos de atividades no movimento espírita. Considero a coleção Nosso Lar como o mais valioso repositório de informações disponíveis a respeito do modo de vida na dimensão espiritual.

Valho-me de três argumentos:

Primeiro, a idoneidade moral do médium, seu comprometimento com a causa espírita e a confiabilidade de seus recursos mediúnicos, amplamente validados em décadas de labor.

Segundo, a coerência da obra, ditada em um período de mais de 25 anos, mantendo-se na mesma linha de pensamento.

Terceiro, a vasta concordância com outros relatos mediúnicos.

Gostaria de ater-me a este último argumento.

É verdade que a pobreza de dados concretos a respeito da dimensão extrafísica caracteriza a obra de Allan Kardec. Até mesmo a noção de colônias espirituais é refutada por Kardec, conforme se vê no comentário ao item 1017 de O livro dos espíritos. Penso que isso pode ser compreendido considerando a natureza iniciática da obra. Tais informações, naquele momento, poderiam comprometer seriamente a iniciativa dos Espíritos.

Mas, outros autores se comprometeram com tais informações.

Devemos a Emanuel Von Swedenborg (1688-1772), cientista, filósofo e médium sueco as primeiras notáveis revelações a esse respeito. Entre 1740 a 1760, em vários livros, notadamente em O Céu e Inferno, A nova Jerusalém e Arcanos Celestiais, o sensitivo se reportou a casas onde viviam famílias, templos onde praticavam o culto, auditórios onde se reuniam para fins sociais, plantas, árvores e flores em quantidades jamais vistas na dimensão terrena, obras de arte, artesanatos e objetos não muito diferentes daqueles que os Espíritos estavam habituados a ver durante sua vida terrena.  

Mostra, também, que a vida no céu não é uma sequência monótona de práticas religiosas, mas um cenário de intensa atividade. Como o serviço útil é a base da felicidade, são essenciais as ocupações celestiais. Lá, todas as faculdades mentais encontrarão sua função e a ociosidade não é permitida. Ele se refere à “alimentação”, garantindo que mesmo os indolentes serão compelidos ao trabalho e só receberão alimento se prestarem algum tipo de serviço.

Nesse mundo espiritual, informa o sensitivo, existem sociedades cujas funções são, por exemplo, cuidar das crianças; outras, cujas funções consistem em dar-lhes a instrução e a educação, quando elas crescem. Comenta que até seus jogos e divertimentos servem de instrumentos de instrução. Há museus, ginásios e faculdades, bibliotecas e lugares onde se realizavam jogos literários.

Há uma interessante descrição de um local de instrução de meninas. Elas são reunidas, em grupos de três, quatro ou cinco. Cada uma tem seu próprio quarto e sua própria cama. Num aposento contíguo, há um pequeno vestiário, onde elas guardam suas roupas e seus pertences mais valiosos. Elas estão sempre ocupadas com sua tarefa primordial, os bordados. As peças que produzem são para o próprio uso ou para presentear as outras. Elas recebem sua roupa de uso diário gratuitamente, e a roupa mais fina é reservada para as festividades. Elas também recebem moedas de prata e ouro e as guardam cuidadosamente, pois elas representam diligência e virtude. Elas têm a Palavra Escrita e o livro dos Salmos e os levam quando vão ouvir o pastor. E quando duas pessoas foram casadas neste mundo, essa união subsistirá na outra vida. E as pessoas que não chegaram a casar-se neste mundo, encontrarão seus consortes na outra vida, desde que verdadeiramente os desejem.

Depois de Swedenborg, encontramos uma tímida referência a “bosques encantadores” na correspondência do Espírito de Lavater com a imperatriz da Rússia em 1798, conforme se lê na Revista Espírita de maio de 1868.

Contemporâneo de Kardec, embora tenha vivido até 1910, destaca-se o médium norte-americano, Andrew Jackson Davis. De família humilde e com pouca escolaridade, é considerado um dos maiores médiuns de sua época, tanto pelos fenômenos que produzia, como por seus livros. Sua mediunidade desabrochou aos 17 anos de idade. Fazia conferências de alto nível filosófico e científico, incompatível com sua parca cultura. Descreveu, em detalhes, o processo desencarnatório. Em suas visões espirituais, Davis viu uma disposição do Universo que correspondia aproximadamente ao que foi descrito por Swedenborg, acrescido do que foi posteriormente ensinado pelos Espíritos e aceito pelos espíritas. Viu uma vida semelhante à da Terra.

A obra Raymond, de 1916, de Oliver Lodge, traria outras informações. Lodge, físico inglês de renome, foi um dos pioneiros da telegrafia sem fio e do rádio. O cientista foi um grande defensor da existência da vida após a morte e é lembrado pelos seus estudos sobre o tema. Iniciou-os estudando fenômenos físicos no final da década de 1880. Entre 1901 e 1903, serviu como presidente da Society for Psychical Research, importante organização de pesquisa parapsicológica. Após a morte de seu filho, Raymond, em 1915, na Primeira Guerra Mundial, Oliver Lodge visitou vários médiuns, tendo recebido várias mensagens do filho, que foram publicadas na obra Raymond, or Life and Death (1916), que se tornou um best-seller à época.

Nessa obra há referências, dentre outras coisas, a casas construídas de tijolos, árvores, lama que suja a roupa e alimentos para os Espíritos que têm fome.

Nove anos depois, na América do Norte, outra obra de sucesso faria, igualmente, revelações sobre a vida na dimensão espiritual. Trata-se do livro A vida além do véu, de 1925, publicada pelo reverendo George Vale Owen, sacerdote anglicano que se destacou como médium na década de 1920. O livro reúne mensagens da mãezinha desencarnada do pastor e faz referência a jardins, prédios e florestas.

No Brasil, antes mesmo de André Luiz, a médium Yvonne do Amaral Pereira iniciou a captação mediúnica do livro Memórias de um Suicida, com relatos minuciosos sobre a vida no além. E, ainda, Cairbar Schutel, que examinou vários assuntos relacionados com a vida no outro mundo, em um livro de mesmo nome publicado em outubro de 1932. É bom lembrar que Cairbar desencarnou em janeiro de 1938, bem antes da publicação de Nosso Lar.

Depois de André Luiz, autores desencarnados, através de diferentes médiuns vêm ratificando e desenvolvendo quase todas as informações previamente fornecidas. Certamente, muitos dados nos são, ainda, ocultos, mas as informações reveladas permitem-nos a certeza de que a vida prossegue estuante e inestancável e que nossa posição do mundo extrafísico se dará em equivalência com a nossa posição no mundo corpóreo, pois somos sempre nós mesmos, aqui ou no além.



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