O caso Jacques Latour e o que ele nos ensina

Condenado pelo júri da cidade francesa de Foix por haver cometido vários crimes, Jacques Latour foi executado na guilhotina em setembro de 1864.

No dia 13 do mesmo mês, o Espírito de Latour comunicou-se em Bruxelas, Bélgica. Por meio de um dos médiuns e possuído de enorme agitação, ele desabafou: "Arrependo-me! arrependo-me!"

Em seguida, em resposta a uma pergunta feita pelo dirigente dos trabalhos, ele explicou por que comparecera ali: "Vi que, almas compassivas, teríeis piedade de mim, ao passo que outros ou me evocavam mais por curiosidade que por caridade, ou de mim se afastavam horrorizados."

Ato seguinte, iniciou-se uma cena indescritível que não durou mais de meia hora, na qual o médium, juntando os gestos e a expressão da fisionomia à palavra, deixava patente a identificação do Espírito com a sua pessoa. Às vezes, esses gestos de cruel desespero desenhavam vivamente seu sofrimento. O tom da sua voz era tão compungido, as súplicas tão veementes, que todos os presentes ficaram profundamente comovidos.

E Jacques Latour continuou, suplicando piedade: "Oh! sim, piedade... muito necessito dela... Não sabeis o que sofro... Não o sabeis, e não podereis compreendê-lo. É horrível! A guilhotina!... Que vale a guilhotina comparada a este sofrimento de agora? Nada! – é um instante. Este fogo que me devora, sim, é pior, porque é uma morte contínua, sem tréguas nem repouso... sem fim!... E as minhas vítimas ali estão ao redor, a mostrar-me os ferimentos, a perseguir-me com seus olhares... Aí estão, e vejo-as todas... todas... sem poder fugir-lhes! E este mar de sangue?! E este ouro manchado de sangue?! Tudo aí está... tudo... e sempre ante meus olhos! E o cheiro de sangue... Não o sentis? Oh! Sangue e sempre sangue! Ei-las que imploram, as pobres vítimas, e eu a feri-las sempre... sempre... impiedosamente!... O sangue inebria-me... Acreditava que depois da morte tudo estaria terminado, e assim foi que afrontei o suplício e afrontei o próprio Deus, renegando-O!... Entretanto, quando me julgava aniquilado para sempre, que terrível despertar... oh! sim, terrível, cercado de cadáveres, de espectros ameaçadores, os pés atolados em sangue!!... Acreditava-me morto, e estou vivo! Horrendo! horrendo! mais horrendo que todos os suplícios da Terra! Ah! se todos os homens pudessem saber o que há para além da vida, saberiam também quanto custam as consequências do mal! Certo não haveria mais assassínios, nem criminosos, nem malfeitores! Eu só quisera que todos os assassinos pudessem ver o que eu vejo e sofro... Oh! então não mais o seriam, porque é horrível este sofrimento! Bem sei que o mereci, oh! meu Deus, porque também eu não tive compaixão das minhas vítimas; repelia as mãos súplices quando imploravam que as poupasse... Sim, fui cruel, decerto, matando-as covardemente para roubá-las! E fui ímpio, e fui blasfemo também, renegando o vosso sacratíssimo Nome... Quis enganar-me, porque eu queria persuadir-me de que Vós não existíeis... Meu Deus, eu sou grande criminoso! Agora o compreendo. Mas... não tereis piedade de mim?... Vós sois Deus, isto é, a bondade, a misericórdia! Sois onipotente! Piedade, Senhor! Piedade! Eu vo-lo peço, não sejais inexorável; libertai-me destes olhares odiosos, destes espectros horríveis... deste sangue... das minhas vítimas... olhares que, quais punhaladas, me varam o coração.”

Depois desse comovente desabafo, os assistentes, sensibilizados, dirigiram-lhe palavras de conforto e consolação. Disseram-lhe, então, que Deus não é inflexível; apenas exige do culpado um arrependimento sincero, aliado à vontade de reparar o mal praticado.

Após várias palavras de conforto e elucidação dirigidas ao sofrido Espírito, fez-se uma prece e ouviu-se, então, mais uma manifestação de Jacques Latour, que, mais calmo, assim falou: "Obrigado, meu Deus!... Oh! obrigado! Tivestes piedade de mim... Eis que se afastam os espectros... Não me abandoneis, enviai-me os vossos bons Espíritos para me sustentarem... Obrigado.”

Os episódios ora reproduzidos podem ser vistos na obra de Allan Kardec intitulada O Céu e o Inferno, 2ª parte, cap. VI, que nos apresenta comunicações feitas por criminosos arrependidos e no mesmo capítulo outras manifestações do mesmo Espírito, que com o passar dos dias foi-se equilibrando e compreendendo perfeitamente, com os ensinamentos espíritas, como funciona a Justiça Divina.

Numa delas, Jacques Latour diz que se os culpados da Terra pudessem vê-lo ficariam apavorados com as consequências de seus crimes. E fez então uma observação que seria bom que todos lêssemos e nela meditássemos. “Que responsabilidade – disse Latour – assumem os que recusam a instrução às classes pobres da sociedade! Julgam que com a polícia e os guardas podem prevenir os crimes. Como estão errados!”

Arrependido sinceramente dos crimes cometidos, ele reconheceu e disse ainda que, se tivesse sido bem guiado na vida, não teria feito todo o mal que fizera. Como seus instintos não haviam sido reprimidos, a eles obedeceu, pois não conhecia freios. “Se todos os homens – acrescentou Latour - pensassem bastante em Deus, ou, pelo menos, se todos os homens nele acreditassem, semelhantes coisas não mais seriam praticadas.”

Essas observações, vindas de alguém que muito errou e sofreu duramente as consequências de seus atos, reforçam o entendimento espírita acerca da importância que tem no mundo em que vivemos a educação de nossos filhos, tarefa que deve iniciar-se o mais cedo possível e jamais postergada, com o falso argumento de que quando adultos eles saberão como se conduzir na vida.

Aos que pensam assim é importante lembrar que a Terra ainda é um mundo de provas e expiações e que nossas crianças já estiveram por aqui em outras oportunidades e tomaram um novo corpo, passando pela fase da infância, justamente para serem orientadas e, desse modo, não mais cometerem os erros e os equívocos do passado.



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