O outro moço rico - Rogério Coelho

Suas palavras caíam como chuva generosa no deserto árido dos corações, levando a alegria, a paz, o consolo e a esperança...

 “(...) Vai, vende tudo o que tens, e dá aos pobres, e terás um tesouro no Céu; vem e segue-Me.” Jesus.  (Mt., 20:21.)

Hilell ben Hamram, moço, rico, estava rodeado do mais alto luxo, no interior daquele navio, com o qual singrava os mares conhecidos... Ancorado na segurança do porto, o comandante aguardava que chegassem os tempos estivais, não se aventurando, por enquanto, nas águas revoltas do mar...

O jovem proprietário daquela embarcação luxuosa que faria inveja ao próprio Herodes, estava doente, febril... Deitado em seu leito, estava, na verdade, sendo corroído pelo remorso.

Lucas, médico experiente, acompanhado de Arieh ben Eleazar, também médico, entrou na embarcação, a pedido do comandante, para visitar o moço que ardia em febres...

Dois meses desde aquele encontro com o Meigo Rabi!... A partir de então, adoecera...

Lucas e Arieh jamais haviam visto navio tão belo e ricamente mobiliado: as cobertas eram de teca, as paredes de ébano incrustado com artísticos desenhos de flores e folhas em pérolas, ouro e prata.

Foram levados para duas cobertas abaixo, cada qual mais esplêndida do que a outra, bem iluminadas, tecidos, madeiras e mobiliários preciosos. Entraram em um aposento tão luxuoso em sua magnificência oriental que, boquiabertos, não cessavam de admirar deslumbrados!...  Cortinas de brocado de prata pendiam das janelas, tapetes persas cobriam o piso.  Um grande leito dourado estava parafusado com firmeza no chão.  Nele, sob cobertas ricas, jazia um homem que não teria mais de vinte e nove anos: seu rosto parecia de mármore antigo; suas feições mostravam-se finas e austeras.   Quando Lucas e Arieh se aproximaram ele não se moveu... Os dois médicos observaram-no cuidadosamente: tinha a mão frouxa e gelada; o peito quase sem arquejo; o coração revelava-se lento e fraco.  Lágrimas se filtravam de sob as pálpebras fechadas...

- “Não chores” – disse Arieh –, “Deus está contigo, e Jesus te ajudará com o Seu poder”.

As lágrimas correram mais depressa de sob as pálpebras quando Arieh falou suavemente: – “Eu estava perdido e Ele encontrou-me. Eu era um escravo e Ele libertou-me. Eu era um estranho e Ele trouxe-me para meu povo.  Louvado seja Ele, Rei dos reis!... pois nada está fora de Seu incomensurável poder, e Ele não silenciará quando Seus filhos chamarem por Ele”.

Hilell gemeu, e foi como se o som não viesse apenas de sua carne, mas de seu Espírito.   Não abriu os olhos, mas sussurrou: – “É tarde demais!... Ele me chamou, e eu Lhe voltei as costas. Não O esqueci, e um dia soube – embora tardiamente – que não poderia viver sem Ele, embora o que Ele me pedia fosse árduo. Por isso fui procurá-lO novamente. Mas era tarde demais!... Os romanos, impiedosos e venais, O haviam assassinado num madeiro humilhante como se fosse um criminoso, para atender à sanha assassina dos sacerdotes e fariseus que se sentiam incomodados com o Seu verbo de luz. A mentira se sentia insultada pela Verdade da Boa-Nova que Ele trazia...

Jamais esquecerei aquele dia em que O vi pela primeira vez: estava quente, deixei o palácio de Herodes e guiei minha quadriga, rodeado por meus servos e escravos... Então, numa curva do caminho, à beira da estrada, vi um pequeno grupo de homens, mulheres e crianças, sentados em pedra, sobre a terra, junto de uma pequena aldeia. As crianças, gárrulas umas, tímidas outras, aproximavam-se d`Ele...

Um dos meus homens cavalgou até a minha quadriga e disse-me, com emoção que ali estava o humilde Rabi, com Seus amigos, e tive curiosidade de ver o homem que indignara Herodes e sobre o qual contavam histórias tão incríveis... Assim, guiei meus cavalos até perto d`Ele e de Seu pequeno bando de seguidores e crianças, e ouvi, com um sorriso, o que dizia Aquele que parecia tão pobre e humilde como um mendigo, mas de porte altivo e digno de um príncipe ante seus vassalos. Seu sotaque denotava que Se originava da Galileia: um carpinteiro, segundo me disseram... Relatava muito bem a Sua história.  Sua eloquência era cativante!... Olhei para o Seu rosto empoeirado, para Suas vestes também empoeiradas, e para Seus pés calçados com sandálias simples de couro cru. Sentado numa pedra com as mãos entrecruzadas sobre o joelho, era uma figura de impressionante beleza e simpatia... Seu magnetismo era indescritível!  Impressionava e sensibilizava corações com Suas doces palavras.   Era um discurso estranho e novo que revogava a “pena de talião” e a substituía pelo perdão incondicional; exalçava o amor que deveria erradicar o ódio dos corações... Senti-me inebriado com as doces vibrações que emanavam d`Ele. Compreendi naquele momento o que deve ter motivado Pedro sugerir que se armassem três tendas no alto do Monte Tabor no momento da transfiguração.  Era um momento mágico e inesquecível!... Suas palavras caiam como chuva generosa no deserto árido dos corações, levando a alegria, a paz, o consolo e a esperança... Sorria como um pai; olhava para Seus seguidores com olhos azuis e carinhosos, e eles ouviam reverentes. Sua barba era dourada, bipartida, seus cabelos também dourados caiam em suaves ondulações sobre o ombro, partidos ao meio à moda nazarena. Tinha autoridade na voz...

Compreendi o Rabi, embora antes jamais tivesse compreendido. Desci de minha quadriga, e aproximei-me d`Ele. Meus servos iam à frente abrindo caminho entre o povo. Ele observava-me enquanto eu ia chegando e sorria-me como a um irmão que reconhecesse.  E esperava... Meus servos gritavam alto: “fazei caminho para Hilell ben Hamram, que é homem grande em Israel, pois dirige uma cidade e sua família é famosa e tem muito ouro!”

E o Rabi nada disse e nem ficou impressionado com minha riqueza e poder embora o povo recuasse assustado.  Ele tão somente esperou por mim.  Parei diante d`Ele perto o bastante para tocar-Lhe o ombro, e Ele fixou-me em silêncio. Disse-lhe: “Mestre, o que devo eu fazer para merecer a vida eterna?”.

Ele tornou a sorrir para mim e respondeu com voz firme e sonora: para merecer a vida eterna você deverá conhecer os mandamentos, e não deves roubar, matar, dar falso testemunho ou cometer adultério.  Deves honrar teu pai e tua mãe”.

Eu Lhe disse: – “desde a minha mocidade respeito os mandamentos”.

Ele ficou silencioso por tanto tempo que eu pensei ter sido dispensado de ali ficar.  Então, Ele levantou os olhos e disse-me em tom meditativo: – “falta-te uma coisa: vende o que tens, pois és rico, e dá o resultado para os pobres. Então, possuirás os tesouros do Céu.”

Hilell ergueu-se em seus travesseiros e encarou Lucas com uma súplica em seus olhos: 

– “Médico!... Compreendes quanto aquilo era incrível? Por que teria Ele de pedir-me que também fosse um mendigo?”

Lucas olhou para o Oceano, que se podia ver quase ao nível da janela, e disse baixinho: – “Ele pede a cada homem que Lhe entregue o que mais ama no mundo, e é evidente que tu colocavas teu dinheiro acima de todas as coisas”.

Hilell gemeu e tornou a deitar-se, sem forças, murmurando entredentes: – “É verdade! Agora compreendo. Afastei-me d`Ele horrorizado. Ele parecia ler meus pensamentos, pois sentiu minha agitação íntima e disse-me, muito suavemente em voz quase inaudível:  –“Vem e segue-me”.

Ele me pedia que O seguisse, que me tornasse um de Seus seguidores sem lar, a mim Hilell bem Hamram!... Disse-Lhe que aquilo era loucura; virei-me e caminhei em direção aos meus cavalos, mas ainda ouvi quando Ele, vendo-me sair intempestivamente, disse aos que O rodeavam: – “como é difícil aos ricos entrarem no Reino dos Céus!”

Olhei para trás e O vi, pela última vez, lançando-me um olhar de tristeza com aqueles olhos azuis inesquecíveis. Ele levantou-Se e recomeçou a falar para os que estavam à Sua volta.

Afastei-me dali como um alucinado. Nunca mais poderia ser o mesmo. Acho mesmo que ninguém poderá ser a mesma pessoa depois de aproximar-se d`Ele, depois de ouvi-lO!...”

Lucas e Arieh não falaram.  Hilell olhava de um para o outro, suplicante...  E continuou falando:  – “fui educado em Atenas e em Roma. Sou homem de erudição, de poder, de fortuna e influência. Sou um homem do mundo. Sou Hilell bem Hamram e Ele me havia pedido o impossível!...”

Lucas, impondo suas mãos sobre a cabeça de Hilell disse: – “Veja em que deu não segui-lO.   Você adoeceu! Só Ele é o Caminho, a Verdade, a Vida, a saúde do corpo e da Alma. Tiveste tua chance de emboscá-lO no coração e resolveste por atirá-lO fora.  Que esperas do mundo?   Que são os ouropéis da Terra comparados aos Tesouros incorruptíveis do Céu?!

O sacrifício é o caminho da redenção enquanto que a renúncia é a seta norteadora da direção correta. Verificas agora, na via da soledade e do sofrimento, o aguilhão do remorso e o travo da amargura sem nome. Mas, ainda não é tarde demais!... O recomeço implica sacrifício.  É difícil, mas necessário. Sacrifica-te, pois, antes renunciando, não cedendo ao mal, olvidando vaidades e superstições. Sacrifica à vida a tua vida para que a paz te entesoure as moedas da harmonia interior.   Só então chegarás à conclusão do por que Ele preferiu os deserdados do mundo, o sacrifício de todo instante, desde as palhas singelas de um estábulo paupérrimo às jornadas a pé, sob o sol causticante pelos caminhos poeirentos; o encontro e a convivência com as pessoas malcheirosas das estradas da vida, em regime de misericórdia para com os pecadores e infelizes até a hora da cruz de ignomínia e de horror, sacrificando-Se sempre para a fulguração perene como Rei Excelso em plena Glória Solar.

Mas vejo que nunca O esqueceste; que Ele está em tua vida e em teus sonhos e que não poderias fugir d`Ele. Repousa, consola-te, pois sofreste muito e Ele te perdoou e ainda continua pedindo-te que O sigas e jamais O deixes. Vem conosco para Israel, onde nós O encontraremos outra vez, porque com toda certeza Ele não está morto, mas vive e viverá para sempre no coração de quantos praticam Seus ensinamentos”.

Os fluidos medicamentosos esparzidos pelas mãos de Lucas produziram uma melhora imediata no jovem que se levantou com novo ânimo; e seguiram os três para Israel...  Enquanto caminhavam atravessando montes e vales de natureza exuberante, o jovem orava em silêncio, mentalizando a doce e meiga figura do Sublime e Inolvidável Pegureiro de nossas Almas: – “Eu estava morto, e Tu me chamaste para a vida!... Não sou mais prisioneiro dos “tesouros” da Terra porque agora busco os inalienáveis e imperecíveis Tesouros do Céu. Estou apto, agora, a renunciar a mim mesmo, tomar sobre meus ombros a minha cruz e seguir-Te pelos caminhos da Eternidade rumo à perfeição, à paz e à felicidade sem mescla.” (1)                                                                                                                              
 

(1) Texto adaptado do livro: “Médico de homens e de almas”, de Taylor Caldwell.



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