A reencarnação e as Escrituras

Toda vez que o tema reencarnação é criticado pelos opositores das ideias espíritas, os analistas fazem questão de enfatizar que o termo reencarnação não figura em nenhum dos livros que compõem as Escrituras.

Sim, isso é verdade, mas não custa lembrar que entre os hebreus a ideia das vidas anteriores era geralmente admitida, embora algumas vezes de maneira velada, como se vê em Isaías (26:19) e Jó (14:10 e 14).

O Decálogo, recebido por Moisés no Sinai, refere-se à ideia da reencarnação – de forma indireta – logo no primeiro mandamento, assim constante de Êxodo, 20:1-17:

"Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás deuses estrangeiros diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem figura alguma de tudo o que há em cima no céu, e do que há embaixo na terra, nem de cousa alguma que haja nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto: porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus forte e zeloso, que vinga a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem. E que usa de misericórdia até mil gerações com aqueles que me amam e que guardam os meus preceitos."

A punição dos "filhos" por causa do erro dos pais, um absurdo, especialmente se praticada por Deus, é na verdade a punição dos "pais" que retornam à carne anos depois de sua desencarnação, geralmente na mesma família, fato registrado na literatura espírita e que é, por sinal, bastante comum.

No Evangelho de Mateus, 16:13-16, lemos:

"Tendo chegado à região de Cesareia de Filipe, Jesus perguntou aos discípulos: Quem dizem por aí as pessoas que é o Filho do homem? Responderam: Umas dizem que é João Batista; outras, que é Elias; outras, enfim, que é Jeremias ou algum dos profetas."

Ora, Jeremias, que vivera séculos antes do Cristo, morrera velhinho e doente. Jesus era um jovem e sua mãe, conhecida. Se Jeremias, como pensavam os hebreus, fosse Jesus, só poderia sê-lo pelo processo da reencarnação, ou seja, por seu retorno à carne em outro corpo, que é exatamente a ideia da palingenesia ou reencarnação.

Ainda em Mateus, 11:13-15, encontramos:

"Com efeito, todos os Profetas, bem como a Lei, profetizaram até João. E, se quiserdes compreendê-los, João é o Elias que estava para vir. Quem tiver ouvidos, que escute bem."

E adiante, no mesmo Evangelho, 17:11-13:

"Respondeu-lhes Jesus: Elias há de vir para restabelecer todas as coisas. Mas eu vos digo que Elias já veio e não o reconheceram, mas fizeram com ele o que quiseram. Então, os discípulos compreenderam que Jesus lhes tinha falado a respeito de João Batista." (Mateus, 17:11-13.)

No diálogo com Nicodemos, Jesus declarou:

"Eu vos afirmo e esta é a verdade: se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus. O que nasce da carne é carne; o que nasce do Espírito é espírito." (João, 3:5-6.)

Ensinada por inúmeros sábios e filósofos da Antiguidade, como Pitágoras, a palingenesia ou reencarnação não foi estranha aos cristãos primitivos. Aliás, foi Pitágoras, o grande matemático, quem introduziu na Grécia a ideia da doutrina das vidas sucessivas, que ele aprendera no Egito e na Pérsia, ideia essa que teria sido adotada por Sócrates e por Platão, autor de conhecida frase: “Aprender é recordar".

Diz São Jerônimo que essa doutrina foi ensinada por muito tempo como uma verdade esotérica e tradicional e Orígenes a admitia como uma necessidade lógica para a compreensão da Bíblia.

Evidentemente, o Espiritismo não a buscou nas Escrituras, porque são inúmeras as provas – independentemente da sanção bíblica – de que a reencarnação é uma lei natural, e foi por isso que Allan Kardec a arrolou entre os princípios fundamentais da Doutrina Espírita, primeiro por ser lógica, segundo por estar sancionada pelos fatos.

Quem é pai e foi instruído pela religião dominante a pensar que nossa existência corpórea é uma só e que, portanto, nossos filhos não tiveram experiências anteriores, tem enorme dificuldade para entender as diferenças físicas, morais e intelectuais que se observam, desde a infância, em sua prole, em que uns são muito inteligentes, outros medianos; uns são calmos e amorosos, outros rudes e indiferentes; uns desfrutam ótima saúde, outros enfrentam desde cedo doenças ou limitações; uns morrem em tenra idade, outros vivem por longo tempo...

Sem as possibilidades de crescimento moral e intelectual que a reencarnação nos oferece, que futuro têm os indígenas, as crianças mortas durante a infância e todos aqueles que, nascendo em paupérrimas condições, jamais puderam ir à escola?

Quanto à ausência de menção do termo reencarnação nas Escrituras, o motivo é fácil de explicar, porque foi apenas entre os séculos XVI e XVIII que surgiu, no Latim tardio, o termo erudito e acadêmico reincarnatio, reincarnationis, que passou, em seguida, para as línguas românicas e para o inglês. Em francês é "réincarnation". 



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