Herculano Pires e as obras de André Luiz

Introdução - Em razão de alguns companheiros afirmarem que o jornalista e escritor José Herculano Pires (1914-1979), justamente designado de “o melhor metro que mediu Kardec”, passou a ter uma visão crítica das obras de André Luiz, resolvemos pesquisar na sua produção literária para saber se, de fato, houve alguma mudança de opinião.

Não tivemos como colocar as obras de Herculano Pires na ordem em que foram escritas, razão pela qual as relacionamos pela data de publicação. Optamos por transcrever o teor de todos os textos, para evitar alguma descontextualização que, de alguma sorte, pudesse levar o leitor a uma conclusão diferente daquilo que ele realmente quis dizer.

As fontes para análise - Não usaremos como de praxe, nas citações, a fonte menor e o afastamento maior, conforme normas de publicações da ABNT, por serem longas e de fácil identificação, nas quais os negritos são nossos.

1) O Espírito e o Tempo, Edicel, 1964.

Na obra Vampirismo, que será mencionada mais à frente, constam também como datas de publicação os anos de 1977 e 1979, do que presumimos ter havido algum acréscimo à primeira versão.

[…] O estudo e os debates devem cingir-se às obras da Codificação. Substituir as obras fundamentais por outras, psicografadas ou não, é um inconveniente que se deve evitar. Seria o mesmo que, num concurso de especialização em Pedagogia, passar-se a ler e discutir assuntos de Mecânica, a pretexto de variar os temas. O aprendizado doutrinário requer unidade e sequência, para que se possa alcançar uma visão global da Doutrina. Todas as obras de Kardec devem constar desses trabalhos, desde os livros iniciáticos, passando pela Codificação propriamente dita, até aos volumes da Revista Espírita. Precisamos nos convencer desta realidade que nem todos alcançam: Espiritismo é Kardec Porque foi ele o estruturador da Doutrina, permanentemente assistido pelo Espírito da Verdade. Todos os demais livros espíritas, mediúnicos ou não, são subsidiários. Estudar, por exemplo, uma obra de Emmanuel ou André Luiz sem relacioná-la com as obras de Kardec, a pretexto de que esses autores espirituais superaram o Mestre (cujas obras ainda não conhecemos suficientemente) é demonstrar falta de compreensão do sentido e da natureza da Doutrina. Esses e outros autores respeitáveis dão sua contribuição para a nossa maior compreensão de Kardec. Não podem substituí-lo. E bom lembrar a regra do “consenso universal”, segundo a qual nenhum espírito ou criatura humana dispõem, sozinhos, por si mesmos, de recursos e conhecimentos para nos fazerem revelações pessoais. Esse tipo de revelações individuais pertence ao passado, aos tempos anteriores ao advento da Doutrina. Um novo ensinamento, a revelação de uma “verdade nova” depende das exigências doutrinárias de:

a) Concordância universal de manifestações a respeito;

b) Concordância da questão com os princípios básicos da Doutrina;

c) Concordância com os princípios culturais do estágio de conhecimento atingido pelo nosso mundo;

d) Concordância com os princípios racionais, lógicos e logísticos do nosso tempo.

Fora desse quadro de concordâncias necessárias, que constituem o “consenso universal”, nada pode ser aceito como válido. Opiniões pessoais, sejam de sábios terrenos ou do mundo espiritual, nada valem para a Doutrina. O mesmo ocorre nas Ciências e em todos os ramos do Conhecimento na Terra. Porque o Conhecimento é uma estrutura orgânica, derivada da estrutura exterior da realidade e nunca sujeita a caprichos individuais. Por isso é temeridade aceitar-se e propagar-se princípios deste espírito ou daquele homem como se fossem elementos doutrinários. Quem se arrisca a isso revela falta de senso e falta absoluta de critério lógico, além de falta de convicção doutrinária, O Espiritismo não é uma doutrina fechada ou estática, mas aberta ao futuro. Não obstante, essa abertura está necessariamente condicionada às regras de equilíbrio e de ordem que sustentam a validade e a eficácia da sua estrutura doutrinária. (PIRES, 2003, p. 190-191, grifo nosso)

[…] Como esse processo se passa entre mundos de dimensões materiais diferentes, Rhine concordou em chamá-los de extrafísicos, o que na verdade não está certo, pois o plano espiritual também possui densidade física e a própria Física foi obrigada a reconhecer essa realidade em nossos dias. […]. (PIRES, 2003, p. 194, grifo nosso)

[…] O espírito liberto passa a viver no plano espiritual, que se constitui de matéria em estado rarefeito. Esse mundo semimaterial tem várias hipóstases, sendo que a mais inferior só existe com o plano material, interpenetrado com ele. Por isso os espíritos convivem conosco no mesmo espaço cósmico ocupado pelo planeta. Assim, os espíritos influem sobre nós e nós sobre eles. Não podemos percebê-los pelos sentidos físicos, mas podemos vê-los e ouvi-los pelo espírito, embora tenhamos a impressão de percebê-los pelos sentidos. […]. (PIRES, 2003, p. 209)

2) Diálogo dos vivos, GEEM, 1974.

O Grupo Espírita Emmanuel – GEEM publica essa obra, na qual participam Herculano Pires e Chico Xavier. Do Prefácio, de autoria de Herculano Pires, selecionamos:

Há mais de quarenta anos, Chico Xavier vem servindo de instrumento mediúnico para os diálogos da preparação. É impressionante o poder do diálogo. (XAVIER e PIRES, 2011, p. 17)

Os críticos acríticos que hoje pretendem criticar a forma dialogada de O Livro dos Espíritos merecem o perdão de Deus, pois não sabem o que fazem. O mesmo se dá com as críticas formuladas aos diálogos de Chico Xavier que, em Uberaba, como o Oráculo de Delfos, se coloca entre os homens e os espíritos, para que os vivos da Terra possam conversar com os vivos do Além. Cada mensagem recebida por Chico Xavier é uma resposta às indagações humanas.

Não é Chico, nem são os espíritos que propõem os temas do grande debate. […]. (XAVIER e PIRES, 2011, p. 18-19, grifo nosso)

Querem uma prova? Basta perguntar-se o que foi feito até agora da obra de Emmanuel e de André Luiz. Salvo raras tentativas ingênuas, onde estão os comentaristas profundos, os analistas, os estudiosos dessas obras em nosso meio? Onde?! (XAVIER e PIRES, 2011, p. 20, grifo nosso)

[…] As vozes do Além, quando legítimas, não se destinam apenas a consolar os aflitos, mas também e sobretudo a ensinar, esclarecer e abrir perspectivas novas ao entendimento dos problemas espirituais. Menosprezar a importância das mensagens mediúnicas é negar o valor do trabalho abnegado dos Espíritos Superiores em nosso benefício. (XAVIER e PIRES, 2011, p. 22, grifo nosso)

Chico Xavier hoje o realiza, com inteira abnegação de si mesmo, a serviço da causa humana e divina do Espiritismo. Não há nada a temer nem a reclamar. Só uma coisa temos a fazer: trabalhar! (XAVIER e PIRES, 2011, p. 27)

Herculano Pires, assinando com o pseudônimo de “Irmão Saulo” escreve vários artigos, dos quais destacamos os seguintes trechos:

A mensagem de André Luiz toca num ponto essencial da Filosofia Espírita – o seu aspecto existencialista. […]. (XAVIER e PIRES, 2011, p. 78)

É bastante conhecida da frase de Sartre: “Os outros são o Inferno”. Mas André Luiz nos propõe o contrário: os outros são o Céu. (XAVIER e PIRES, 2011, p. 91)

Chico Xavier recebeu psicograficamente, na série Nosso Lar, de André Luiz, e em outros escritos, descrições curiosas dos espíritos sobre a influência espiritual em nossas vidas através dos sonhos. E o episódio que nos relata constitui uma prova espontânea da legitimidade da teoria espírita dos sonhos, constante de O Livro dos Espíritos. Uma prova a mais, pois na verdade são muitas as provas espontâneas dadas em todo o mundo. (XAVIER e PIRES, 2011, p. 143, grifo nosso)

3) Mediunidade, Paideia, jul/1978.

Pode-se alegar a existência do mediunato da vidência. Mas esse mediunato jamais é concedido para as aventuras de espíritos de vivos no plano espiritual, porque isso seria condenar o médium a uma situação de dualidade perigosa na vida terrena. O mediunato da vidência existe, mas para fins de auxílio às pesquisas ou para demonstrações da verdade espírita, mas nunca para a criação de condições anômalas no campo mediúnico. As próprias obras mediúnicas, psicografadas, que descrevem com excesso de minúcias a vida no plano espiritual, devem ser encaradas com reserva pelos espíritas estudiosos. Emmanuel explica, prefaciando um livro de André Luiz, que o autor espiritual se serve de figuras analógicas para explicar fatos e coisas que não poderiam ser explicados de maneira fidedigna em nossa linguagem humana. São perigosas as duas posições extremadas: a dos que não aceitam essas obras como válidas e a dos que pretendem substituir por elas as obras de Kardec. Os princípios da Codificação não podem ser alterados pela obra de um espírito isolado. A Codificação não é obra de vidência, mas de pesquisa científica realizada por Kardec sob orientação e vigilância dos Espíritos Superiores. (PIRES, 1987, p. 27, grifo nosso).

[…] Livros como No Invisível, de Léon Denis, e os livros de orientação mediúnica de Emmanuel e André Luiz podem também ser usados como subsidiários, mas jamais colocados como obras básicas da doutrina. Sem esse critério, muitos Centros e Grupos, e até mesmo grandes instituições, caíram num plano de misticismo igrejeiro e de autoritarismo sacerdotal que desfiguram e ridicularizam o Espiritismo. […]. (PIRES, 1987, p. 55, grifo nosso).

4) Na hora do testemunho, Paideia, set/1978.

O remédio contra esse estado mórbido depende de medidas que não foram tomadas: o afastamento dos responsáveis pela adulteração dos cargos diretivos da instituição; a reformulação imediata dos cursos de doutrina e de médiuns, com exclusão dos livros, folhetos e apostilas adulterantes; o retorno imediato aos livros básicos de Kardec como únicas fontes legítimas de ensino espírita; o reconhecimento da posição subsidiária das obras de André Luiz, hoje superpostas às de Kardec; a condenação e exclusão total das obras de mistificação ou de mistura indébita de doutrinas estranhas. Enquanto isso não for feito, as raízes amargas da adulteração continuarão a fermentar no meio espírita e a alimentar a vaidade de pretensos instrutores e mestres. Temos de escolher entre ser espíritas ou ser mistificadores da doutrina. (PIRES e XAVIER, 1978, p. 7, grifo nosso).

No cumprimento de seu luminoso mediunato, sem claudicar no tocante à fidelidade a Kardec, aos princípios básicos da Doutrina Espírita, Chico Xavier se impôs ao meio espírita do Brasil e do Mundo como um exemplo digno de admiração e respeito. Quando certos confrades começaram a proclamar que os livros de Emmanuel e André Luiz constituíam uma reforma doutrinária, esses dois espíritos, seguidos por Bezerra de Menezes e outros luminares da Espiritualidade, começaram a transmitir mensagens de valorização da obra de Kardec. Emmanuel, ante a aparecimento de correntes chamadas de emmanuelistas e andreluizistas chegou mesmo a transmitir uma série de livros correspondentes a cada uma das obras da Codificação comentando os trechos fundamentais dessas obras.

Chico Xavier jamais pretendeu sobrepor-se a Kardec, jamais se alistou entre os reformistas e superadores do Codificador. Nem mesmo aceitou, em tempo algum, que o considerassem como um líder espírita. Manteve-se sempre na sua posição de médium, de intermediário dos espíritos, considerando-se humilde servidor do Espiritismo. A carta de que destacamos esse trecho decisivo ele nos dirigiu a 8 de junho do ano passado. Não achamos necessário divulgar essa nova profissão de fé kardeciana. Mas agora, quando a obra de Kardec, está sofrendo a primeira agressão dentro do próprio meio espírita, e quando se anuncia o prosseguimento do trabalho de adulteração, não podíamos deixar essa declaração escondida em nosso arquivo, a pretexto de preservar o médium. Pelo contrário, a preservação do médium exige esta divulgação na secção em que ele mesmo sempre solicita a nossa ajuda, a nossa colaboração no esclarecimento dos problemas doutrinários. Premido pelas obrigações da recepção de títulos de cidadania e pelos compromissos de lançamento de novos livros, Chico Xavier não pode enviar-nos a mensagem habitual para estas colunas. Sua presença em São Paulo neste momento, participando do lançamento promovido por um grupo que se colocou ao lado da adulteração, poderia aumentar os boatos de que Chico aprovaria esse absurdo atentado à obra de Kardec. Cabia-nos revelar a firmeza de sua posição doutrinária, reafirmada de maneira tão eloquente quanto necessária, na carta que nos enviara.

São muitos os leitores que nos interpelam a respeito da posição do médium nesse caso. Damos a todos a resposta do próprio médium, uma resposta categórica, iniludível. Chico reafirma que precisamos preservar a obra de Kardec, acima de tudo. Outros nos perguntam por que motivo modificamos o programa No Limiar do Amanhã, furtando-nos ao dever de defender no mesmo a obra do mestre. Informamos a todos que deixamos a direção do programa por termos sido impedidos de tratar do assunto no mesmo. Nosso penúltimo programa sobre o caso foi desgravado misteriosamente e nosso último programa foi arquivado e substituído par outro, de que não participamos nem poderíamos participar. Nem sequer o direito legal de anunciar a nossa retirada nos foi concedido. O que aconteceu a nós não acontecerá a Chico Xavier. A divulgação do seu trecho-mensagem será suficiente para mostrar aos leitores destas colunas que o grande médium mantém a sua fidelidade a Kardec, sustentando de maneira eloquente que a doutrina deve estar acima de tudo. (PIRES e XAVIER, 1978, p. 34-35, grifo nosso).

5) Vampirismo, Paideia, 1980.

[…] O Espiritismo põe sua ênfase no estudo e na investigação dos espíritos humanos, que são os do nosso plano evolutivo, dotado de consciência e inteligência racional mais desenvolvida. Os parasitas já pertencem ao plano humano. São considerados na Teosofia e em outras correntes espiritualistas como larvas astrais. Na verdade não são larvas nem elementares, são entidades que necessitam da ajuda da doutrinação. Os teosofistas atribuem também as comunicações espíritas aos chamados cascões astrais, que são para eles invólucros espirituais, perispíritos abandonados pelos mortos e de que se servem os elementares ou espíritos brincalhões para se manifestarem nas sessões mediúnicas como sendo os espíritos desses mortos. A teoria dos cascões foi criada por Mme. Blavatski, após uma sessão mediúnica que assistiu em New York. O Sr. Sinet declara em seu livro Incidentes da Vida da Sra. Blavatski que ela cometeu então um engano de observação, ao qual nunca mais se referiu. Sinet, teósofo de projeção e companheiro de Blavatski, discorda dos teosofistas que continuam a aceitar essa falsa teoria. André Luiz refere-se a ovoides, espíritos que perderam o seu corpo espiritual e se veem fechados em si mesmos, envoltos numa espécie de membrana. Isso lembra a teoria de Sartre sobre o em-si, forma anterior do ser espiritual, que a rompe ao se projetar na existência por necessidade de comunicação. A ação vampiresca desses ovoides é aceita por muitos espíritas amantes de novidades. Mas essa novidade não tem condições científicas nem respaldo metodológico para ser integrada na doutrina. Não passa de uma informação isolada de um espírito. Nenhuma pesquisa séria, por pesquisadores competentes, provou a realidade dessa teoria. Não basta o conceito do médium para validá-la. As exigências doutrinárias são muito mais rigorosas no tocante à aceitação de novidades. O Espiritismo estaria sujeito à mais completa deformação, se os espíritas se entregassem ao delírio dos caçadores de novidades. André Luiz manifesta-se como um neófito empolgado pela doutrina, empregando às vezes termos que destoam da terminologia doutrinária e conceitos que nem sempre se ajustam aos princípios espíritas. A ampla liberdade que o Espiritismo faculta aos adeptos têm os seus limites rigorosamente fixados na metodologia kardeciana.

No caso do parasitismo e do vampirismo, todo rigor é pouco, pois os erros e os enganos de interpretação podem levar os trabalhos de cura a descaminhos perigosos. (PIRES, 1980, p. 14-16, grifo nosso).

6) O mistério do bem e do mal, Correio Fraterno, 1989.

Descrições da vida espiritual nas zonas inferiores do espaço

Regiões em que os espíritos continuam apegados às formas da vida material – “Ação e Reação”, de André Luiz, uma contribuição dos espíritos para as comemorações do centenário.

O primeiro centenário do Espiritismo teve, também as suas comemorações no outro lado da vida. Não foi apenas em nosso plano material, neste reverso da vida em que nos arrastamos, apegados à densidade da matéria grosseira, que o grande acontecimento despertou entusiasmos. Embora o advento do Espiritismo nos pareça um fato específico do nosso mundo, pois a doutrina veio para orientar os homens encarnados, a verdade é que esse fato se refere também aos planos espirituais. E o que é mais importante: esse fato tem tanta significação para nós, quanto para os Espíritos.

Herculano Pires, no Correio Fraterno, de 1989, prossegue:

Todos os que militam no movimento espírita sabem que os Espíritos participam ativamente dos trabalhos doutrinários. Nada mais natural, portanto, do que a sua intensiva participação nas comemorações do centenário. Uma prova concreta dessa participação acaba de ser dada pela publicação de mais um livro psicografado por Francisco Cândido Xavier, livro que traz no prefácio de Emmanuel, as seguintes frases: “Um século de trabalho, de renovação e de luz. Para contribuir nas homenagens ao memorável acontecimento, grafou, André Luiz, as páginas deste livro”.

Como se vê, “Ação e Reação”, novo livro de André Luiz, que a Federação Espírita Brasileira acaba de publicar, é uma contribuição espiritual para as comemorações do centenário. E que excelente contribuição! O título é suficiente para indicar o conteúdo. André Luiz faz uma ampla exposição do problema de ação e reação, através de exemplos colhidos diretamente nas zonas sombrias em que vivem os espíritos sofredores.

Os livros de André Luiz, que já constituem volumosa coleção, valem por um verdadeiro trabalho de ilustração dos princípios espíritas, por meio de relatos de episódios vividos nos planos espirituais. Em Nosso Lar, primeiro volume da série, temos a descrição pormenorizada de uma cidade espiritual, destinada à preparação das criaturas para a espiritualidade superior. Em Os Mensageiros, a descrição dantesca das zonas de sofrimento, regiões purgatoriais ou infernais – como queiram –, em que se arrastam as almas dos que não souberam compreender as oportunidades da encarnação terrena. Mensageiros são os Espíritos superiores, que descem às zonas sombrias ou à própria face da Terra para trazerem socorro às criaturas entregues ao desespero, à angústia, ao remorso e a todas as formas de sofrimento espiritual.

Em “Ação e Reação” os fatos se passam, também, numa zona espiritual densamente carregada de influências materiais. Em meio a uma região aparentemente abandonada, em que as “almas brutas e bravas”, a que se refere Dante, rugem, choram, esbravejam e gemem, perdidas nas sombras e resgatadas pela ventania de suas próprias iniquidades, ergue-se um conjunto arquitetônico que oferece asilo, conforto e cura aos que se puseram em condições de ser socorridos, ou seja, aos Espíritos que começaram a se arrepender de seus erros.

“O estabelecimento – diz André Luiz – situado nas regiões inferiores, era bem uma espécie de Mosteiro São Bernardo, em zona castigada por natureza hostil, com a diferença de que a neve, quase constante em torno do célebre convento encravado nos desfiladeiros, entre a Suíça e a Itália, era ali substituída pela sombra espessa, que, naquela hora, se adensava ao redor da instituição, como se tocada por ventania incessante.”

Para os que não conhecem os princípios da Doutrina Espírita e não estão familiarizados com descrições das zonas espirituais mais próximas da crosta terrestre, tudo isso pode parecer ilusório, imaginário, pouco provável. Mas os que sabem que os Espíritos não são mais do que homens desencarnados e que, como os homens terrenos, vivem a sua vida, executam os seus trabalhos e realizam as suas construções, compreendem bem as descrições de André Luiz.

Há quem não admita a existência de coisas tão concretas no plano espiritual. André Luiz se refere, porém, às zonas inferiores, aquelas em que os Espíritos, ainda demasiado apegados às formas da vida material, não conseguiram “libertar-se em espírito”. É edificante ver, em “Ação e Reação”, como os Espíritos Superiores trabalham nessas regiões, prestando sua assistência caridosa aos irmãos que se transviaram nas sendas egoístas da vida terrena. (PIRES, 1992, p. 72-74, grifo nosso).

7) O infinito e o finito, Correio Fraterno, 1989.

Mensagens espíritas no exterior confirmam as recebidas no Brasil

Livros de Chico Xavier em confronto com obras francesas e inglesas – “A Vida nos Mundos Invisíveis”, do reverendo anglicano Robert Hugh Benson, publicado em português

Muitas pessoas encontram dificuldades em aceitar as descrições da vida de além-túmulo, dos livros de André Luiz, psicografados por Chico Xavier. Mesmo entre os espíritas, já habituados a tratar dos problemas do “outro lado da vida”, essas descrições encontraram no princípio, e ainda hoje encontram, certa relutância. Emmanuel explicou, de maneira bastante clara e feliz, no prefácio de Os Mensageiros, que os relatos de André Luz não devem ser tomados ao pé da letra, mas como um esforço para objetivar, em linguagem terrena, as visões do mundo espiritual. Apesar disso, a extrema semelhança da vida no espaço com a vida na terra ainda perturba algumas pessoas e provoca várias críticas de religiosos e materialistas.

A incompreensão a respeito é natural, em virtude principalmente de dois motivos fundamentais: primeiro, o hábito arraigado de considerar-se a vida post-mortem como misteriosa, inacessível à compreensão dos mortais; segundo, a confusão habitual entre corpo e espírito, fonte do materialismo, que impede muita gente de admitir a existência de vida fora da matéria. Este segundo motivo é o reverso do primeiro e os dois representam posições extremadas diante do problema da sobrevivência. O Espiritismo nos mostra que a vida além da morte não é inacessível à nossa compreensão e desfaz, ao mesmo tempo, a confusão materialista entre corpo e espírito.

Sir Oliver Lodge, o grande físico inglês, entendia que o Espiritismo realiza uma nova revolução copérnica. Essa revolução consiste exatamente na modificação da nossa atitude em face do problema da vida. Se Copérnico destruiu a concepção geocêntrica do universo, o Espiritismo, por sua vez, destrói a concepção organocêntrica da vida. Do ponto de vista organocêntrico, que caracteriza o materialismo, a vida só é possível nos organismos vegetais e animais. O Espiritismo afirma e prova o contrário, ou seja, que a vida independe desses organismos e se manifesta por mil formas e maneiras diferentes, no universo infinito.

Os religiosos que criticam as descrições mediúnicas do além não deixam de aceitar essa descentralização da vida, mas não admitem a sua interpretação ou explicação racional. Apegam-se a dogmas, a princípios rígidos de fé, mantendo-se no plano do mistério. Entretanto, se convivessem um pouco mais com os textos sagrados de suas próprias religiões, veriam que a existência de cidades espirituais no além-túmulo, de habitações, vegetais e animais, não é, como supõem, uma invenção dos espíritas. O Velho Testamento e o Novo Testamento, por exemplo, estão cheios de descrições dessa ordem. Basta lembrar-se o que diz Isaías (33:17,20) sobre “a terra de longe” e a “Sião da solenidade”, e o Apocalipse de João sobre a Jerusalém celeste.

No tocante às revelações mediúnicas, as descrições de André Luiz não constituem novidade, a não ser quanto ao que trazem de pessoal, da maneira de ver do autor. Já em O Céu e o Inferno, Kardec apresenta descrições semelhantes. Na Revue Spirite, o codificador publicou numerosos relatos de além-túmulo no mesmo sentido. Sir Oliver Lodge apresenta quadros semelhantes em Raymond, Denis Bradley em Rumo às Estrelas, e assim por diante. Agora, a Editora O Pensamento, desta capital, acaba de lançar a tradução de Life in the World Unseen, de Anthony Borgia, com a versão do título para A Vida nos Mundos Invisíveis. O trabalho de tradução foi confiado a J. Escobar Faria, que realizou primoroso trabalho.

Temos nesse livro curioso uma nova versão da vida no além, com pormenores que confirmam plenamente as descrições de André Luiz. O autor espiritual é o ex-reverendo Robert Hugh Benson, filho de um ex-arcebispo de Cantuária, que à maneira de André Luz, relata sua passagem para o lado de lá e descreve esse lado. A segunda parte do livro oferece-nos uma espécie de geografia dos planos espirituais mais próximos da face da Terra. Benson, que na vida terrena escrevera a propósito de assuntos espirituais, dando interpretação capciosa a algumas de suas experiências psíquicas, procura corrigir nesse livro os seus erros dogmáticos de então. Os religiosos em geral, e os espíritas em particular, encontrarão em A Vida nos Mundos Invisíveis muito material para comparação com as descrições dos textos sagrados e das comunicações mediúnicas obtidas em nosso país. Esse confronto, para os espíritas, atende a um dos requisitos do método doutrinário, para aceitação das informações espirituais: o do consenso universal, estabelecido pelo codificador. (PIRES, 1989, p. 105-110, grifo nosso).

8) Por Jorge Rizzini: J. Herculano Pires o Apóstolo de Kardec, Paideia, 2001.

Há uma revelação luisina?

Começaremos transcrevendo uma crônica sua assinada com o pseudônimo “Irmão Saulo” intitulada “Há uma revelação luisina?”, a qual refuta um artigo de Salvador Gentile (diretor de “Anuário Espírita”, editado em Araras, Estado de São Paulo), a propósito da obra “Nosso Lar”, psicografada por Chico Xavier. A crônica de Herculano Pires estampada no “Diário de São Paulo” reveste-se de importância porque ao surgirem as primeiras obras do Espírito André Luiz alguns líderes, demonstrando imaturidade doutrinária, proclamaram nas tribunas e pelos jornais que elas eram a “Quarta Revelação”…

Leiamos as considerações de Herculano Pires:

“O aparecimento em Tóquio de uma edição japonesa do livro ‘Nosso Lar’, de André Luiz, leva o confrade Salvador Gentile a reviver, no ‘Anuário Espírita 1969’, a tese da ‘revelação luisina’. Essa tese conquistou certa voga no meio espírita (alguns dizem ‘andreluisina’), mas arrefeceu logo porque Emmanuel e André Luiz foram os primeiros a botar água na fervura. Gentile a ressuscita em termos de revisionismo doutrinário, de ‘superação’ de Kardec, não se esquecendo de criticar ‘os ortodoxos que fazem de Kardec um dogma intangível’. Respeitar a codificação é ser dogmático, segundo as acusações dos divinistas e outros renovadores.

“Gentile parte da suposição de que a obra de Kardec ficou em generalidades. Deseja informações particulares, mais concretas, que André Luiz fornece sobre a vida dos Espíritos. Mas se tivessem recorrido ao prefácio de Emmanuel no livro ‘Os Mensageiros’ veria que essa concretização é simbólica e, portanto, abstrata. A obra de André Luiz é ilustrativa da revelação espírita, e não propriamente complementar, no sentido de superação que o articulista pretende. É uma grande e bela contribuição nos estudos espíritas, mas sua pedra de toque é a codificação.

“O que mais impressionou a Gentile foi a ‘revelação’ de cidades espirituais no espaço. Mas a Bíblia já nos falava da Jerusalém Celeste e as revelações antigas estão cheias de ideias semelhantes. Tratam-se de planos ainda materializados da vida espiritual e não dos planos superiores. A ‘Revista Espírita’ apresenta numerosos relatos dessa vida que se assemelha à terrena. Mas Gentile vai mais longe e afirma que certos conceitos de Kardec são reformulados em ‘Nosso Lar’, por exemplo: o conceito de espíritos errantes, o de acampamento, o de perispírito sem órgãos de tipo material.

“A crítica de Gentile a esses conceitos não tem razão. Kardec explica no item 226 de O Livro dos Espíritos que são errantes todos os espíritos que ainda terão de reencarnar-se, mesmo os mais evoluídos. A erraticidade não implica apenas a permanência em planos inferiores, mas uma condição do espírito em seu processo evolutivo. Trata-se de um conceito relativo, ou seja, que diz respeito à relação do espírito com a sua passagem pelas fases inferiores da encarnação terrena. O conceito ou a noção de acampamento não tem em Kardec a aplicação que Gentile lhe deu. Refere-se aos mundos transitórios e não aos planos espirituais. O de perispírito sem órgãos físicos, que não necessita de restauração de suas forças, é também relativo e está bem explicado no item 254, onde se lê isto, em letras de forma: ‘A espécie de fadiga que os espíritos podem provar está na razão da sua inferioridade, pois quanto mais se elevam, de menos repouso necessitam’.

“Partindo de premissas falsas, o articulista só poderia chegar a conclusões falsas. Não há nenhuma razão para se falar em ‘revelação luisina’, mesmo porque a própria tese de Kardec é a da revelação contínua a partir da aceitação e do conhecimento da mediunidade. Antes de pensar em ‘novas revelações’, o de que precisamos com urgência é de estudo sistemático e mais aprofundado da obra de Kardec, incluindo não só os tomos da Codificação, mas também a ‘Revista Espírita’, por ele mesmo indicada como indispensável ao bom conhecimento da doutrina.” (RIZZINI, 2001, p. 244-246, grifo nosso)

Conclusão

O que vimos foi exatamente o contrário do que se insinua, pois Herculano Pires foi, na verdade, um defensor das obras de André Luiz; combateu, é fato, os que na sua época que queriam transformá-las na “Quarta Revelação”, o que significava deixar totalmente em segundo plano (ou até mesmo renegar) as obras de Kardec, reconhecidamente, a “Terceira Revelação”; e, aí, caro leitor amigo, “o apóstolo de Kardec”, como diria Rizzini, não poupou críticas a eles.

Por outro lado, Herculano não se mostrou tão intransigente a ponto de considerar todas informações promanadas da literatura de André Luiz como verdades absolutas; tinha, como se viu, sérios questionamentos como, por exemplo, a questão da existência dos “ovoides”, conforme se vê em um dos cinco textos acima. A princípio até pensamos que Herculano havia entendido mal as informações de André Luiz, mas não; por este autor espiritual, os espíritos que se encontram na condição de ovoides perderam o corpo perispiritual, o que, certamente, é contrário ao que podemos depreender da Codificação kardeciana. Entretanto, devemos compreender que todos nós, por não sermos ainda Espíritos Puros, somos passíveis de erros, inclusive, o próprio Herculano Pires, na mesma obra em questão – Vampirismo –, acabou por cometer este:

O homossexualismo, nos dois sexos, por sua intensidade nas civilizações antigas e sua revivência brutal em nosso tempo é, a mais grave dessas anormalidades que hoje se pretende declarar normais. […]. Qualquer justificativa dessas anormalidades não passa de sofisma atentatório da própria existência da espécie. […]. (PIRES, 1980, p. 29 e 30, grifo nosso)

Herculano Pires, certamente, não se lembrou dessa fala de Kardec, constante do artigo “As mulheres têm alma?”, publicado na Revista Espírita 1866:

[…] pode ocorrer que o Espírito percorra uma série de existências num mesmo sexo, o que faz que, durante muito tempo, ele possa conservar, no estado de Espírito, o caráter de homem ou de mulher do qual a marca permaneceu nele. […].

Se essa influência repercute da vida corpórea à vida espiritual, ocorre o mesmo quando o Espírito passa da vida espiritual à vida corpórea. Numa nova encarnação, ele trará o caráter e as inclinações que tinha como Espírito; se for avançado, fará um homem avançado; se for atrasado, fará um homem atrasado. Mudando de sexo, poderá, pois, sob essa impressão e em sua nova encarnação, conservar os gostos, as tendências e o caráter inerentes ao sexo que acaba de deixar. Assim se explicam certas anomalias aparentes que se notam no caráter de certos homens e de certas mulheres. (KARDEC, 1993, p. 4)

A seguir a rigor o que disse Herculano, poder-se-ia dizer que Kardec se utilizou de sofisma para explicar alguns casos de homossexualismo.

Acreditamos que a forma um tanto quanto pejorativa com que Herculano Pires tratou André Luiz na obra Vampirismo, mesmo sem conseguirmos precisar quando tomou da pena para escrevê-la, nós o consideramos plenamente reabilitado, por tudo quanto diz nas suas outras obras a respeito daquele que exerceu a função de “repórter do além”.

Em J. Herculano Pires, o apóstolo de Kardec, o autor, Jorge Rizzini (1924-2008), faz uma biografia de Herculano e não fala absolutamente nada sobre uma possível mudança de pensamento dele em relação às obras de André Luiz, ou que tenha passando a considerá-lo, em todos os pontos como “neófito empolgado pela doutrina”, já que as suas colocações são circunstanciais à tese de Salvador Gentile, publicada no Anuário Espírita 1969, de que esse autor espiritual é portador da “Quarta Revelação”. Retomamos ao trecho: “André Luiz manifesta-se como um neófito empolgado pela doutrina, empregando às vezes termos que destoam da terminologia doutrinária e conceitos que nem sempre se ajustam aos princípios espíritas”.

É bom ressaltarmos que disso não se pode generalizar, pois Herculano Pires deixa claro que somente “às vezes” é que André Luiz empregava termos que destoavam da terminologia doutrinária, e não que “tudo” que ele produziu destoava, como parece ser o entendimento de alguns companheiros.


Referência bibliográfica:

KARDEC, A. Revista Espírita 1866. Araras, SP: IDE, 1993.

PIRES, H. J. Mediunidade: conceituação da mediunidade e análise geral dos seus problemas atuais. São Paulo: Edicel, 1987.

PIRES, J. H. e XAVIER, F. Na hora do testemunho. São Paulo: Paideia, 1978.

PIRES, J. H. O Espírito e o tempo. São Paulo: Edicel, 2003.

PIRES, J. H. O infinito e o finito. São Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno, 1989.

PIRES, J. H. O mistério do bem e do mal. S. Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 1992.

PIRES, J. H. Vampirismo. São Paulo: Paideia, 1980.

RIZZINI, J. J. Herculano Pires, o apóstolo de Kardec. São Paulo: Paideia, 2001.

XAVIER, F. C. E PIRES, J. H. Diálogo dos vivos. São Bernardo do Campo, SP: GEEM, 2011.



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