Hermínio Miranda na visão de sua filha Ana Maria

Ana Maria Chiarelli de Miranda, filha do grande escritor Hermínio Corrêa de Miranda, nasceu em Barra Mansa (RJ) e reside atualmente na cidade do Rio de Janeiro. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, ela concedeu-nos gentilmente a presente entrevista, na qual nos fala sobre seu pai, um dos ícones do pensamento espírita.
 

Embora todos saibamos o que significa um pai, qual sua sensação de filha do notável e respeitado Hermínio de Miranda?

A pergunta me intrigou:  será mesmo que "todos sabemos” o que realmente significa "um pai"?  Fora o conceito genético, é realmente uma premissa principalmente SENTIDA?  Falo por mim que sempre achei que soubesse o que o MEU PAI significava para mim.  Mas, eis que chega a idade da razão e a gente se espanta um pouco ao nos depararmos com mudanças nos nossos pensamentos e sentimentos.  Porém, se os que me leem acham que eu mudei meu pensamento: não, não mudei:  EU ENTENDI o verdadeiro "SIGNIFICADO DE UM PAI"!  Será que os senhores já ouviram a afirmação:  "MEU PAI (É) FOI O MELHOR PAI DO MUNDO"?  Se sim, então tenho que me penitenciar diante dos senhores, porque também fui uma dessas pessoas! E afirmo que era o que eu pensava!  Ficaram espantados?  Pois saibam que MEU PAI FOI SIM O MELHOR PAI DO MUNDO, mas só descobri isto na década dos meus 70 anos, quando ele desencarnou.  Eu fiz 70 anos, um mês depois de seu desencarne, e logo que isso aconteceu, meus sentimentos sofreram uma profunda metamorfose espiritual:  não se espantem: posso lhes dizer que, hoje sei que meu pai FOI, DO NOSSO PAI MAIOR, aquele que, para mim, mais se aproximou do que é ser um PAI na vida terrestre.  O Apóstolo Paulo já dizia, “não sou mais eu que vivo, é o Cristo que vive em mim.”  Hoje posso lhes dizer que, juntamente com o Cristo, é meu pai, Hermínio C. Miranda, que vive em mim.

O que mais lhe causava admiração na personalidade do homem, do pai, do escritor Hermínio Miranda?

Acho que posso resumir tudo isso em uma única palavra – AMOR – que norteou toda sua vida, no nosso mundinho familiar, com mamãe, meus irmãos e eu, nos seus livros, nas suas pouquíssimas palestras, meditações, no trato com os espíritos, os desiguais, as crianças, os animais. Para dar um exemplo, mamãe e ele iam para Caxambu (MG) todos os anos por volta de novembro e só voltavam para o Rio em março ou abril do ano seguinte.  Era a fuga do calor e a paz na sua casa na cidade mineira.  Ele passava muitos momentos meditando sentado em um banquinho em frente do Gêiser, no Parque das Águas, de manhã.  Do lado de fora do parque há charretes puxadas por cavalinhos ou burrinhos, estacionadas no meio fio, aguardando os turistas que desejam conhecer a cidade. Por vezes a charrete carrega o charreteiro e três ou quatro pessoas (!), pelas ruas íngremes, de paralelepípedo, ou de terra batida! O sol estava muito forte em um determinado dia, para os charreteiros e animais.  Ao sair do parque, ele viu um charreteiro dar uma chicotada em um dos burrinhos, que estava algo nervoso com o calor.  Ele, já bastante idoso, foi até o carroceiro, com sua bengalinha e lhe deu uma grande lição “sobre os animais, e do muito que faziam para trazer o pão para a mesa dos seus donos, por vezes, “com um esforço hercúleo para aguentar a carga!”  Chegou em casa com a pressão elevada, mas com o espírito em paz.  O AMOR...SEMPRE O AMOR.

Do conteúdo intelectual do grande pensador espírita, o que – em sua visão – mais se extrai?

A paixão do papai pelos livros, pela leitura, saber, pesquisa, verdade, coisas do espírito, era insaciável e sui generis. Lembro-me das vezes que ele me pedia para encomendar algum livro para ele do exterior, (porque ele nunca teve cartão de crédito...), o que eu fazia com uma alegria indescritível.  Em uma tentativa de fazer uma biografia dele há alguns anos, que não pôde ser completada porque com mais de 92/93 anos, ele já não podia mais revisar os textos, ele escreve para o autor do projeto: “desenvolvi um hábito de ler nos lugares que frequentava, tais como salas de espera de médicos e dentistas, conduções, viagens de avião, o que me ajudou muito no meu aprendizado e pesquisas.”

Raramente ele pedia alguma coisa: preferia dar. Certa vez para corroborar uma de suas pesquisas para seu livro “Cristianismo, a Mensagem Esquecida” (Editora O Clarim 1989), e sabendo que eu ia a Nova York, me pediu que fosse à “Circle Square”, à casa de um escritor e pesquisador que tinha dito em uma entrevista, que em um determinado livro que ele tinha havia uma referência que interessou a ele. Ele conseguiu o endereço do senhor pelo Consulado do Brasil em Nova York, telefonou para ele, e o senhor ficou tão encantado com ele que, ao me conhecer, me deu o livro, e não só a referência. A alegria dele quando eu cheguei com o livro foi emocionante.

Ele e mamãe iam todos os anos para Caxambu. Eu, saudosa, tirava uns 2 ou 3 dias de férias e partira para lá estar com eles. A alegria deles quando um dos filhos chegava era emocionante. Seu dia começava muito cedo – às 7 horas ou antes (com ele preparando o café da manhã para a mamãe!!!), desde a toalha na mesa da cozinha, o coador na cafeteira, tirando a manteiga e queijo de Minas da geladeira, fazendo seu próprio chazinho de erva cidreira. Depois, ele então ou ia para o Parque das Águas meditar, ou subia para o 2º. andar da casa e lá ficava meditando e/ou lendo na rede, com seus livros, no silêncio quebrado apenas pela algazarra das maritacas na árvore que dava para a janela. Caso contrário, ficava no andar térreo, no computador, (sempre encantado com o que “o mundo do computador havia trazido para a vida dele”.) Era seu primeiro momento!  Depois do almoço e o cochilo da tarde, sentava na sala de visita para novamente...ler! O livro era colocado em cima de uma “almofadinha”, e lá ficavam os três – seu segundo momento!

Às 18 h, infalivelmente, ia para seu quarto e pegava um outro “livrinho” (...) - tipo um caderninho, onde ele tinha escrito os nomes de todos por quem ele orava às noites.

Por fim, à noite, mamãe e eu íamos ver televisão e ele sentava na poltrona na cozinha! (sim, ele tinha uma poltrona na cozinha para ler à noite...) A veneração pelo LIVRO era patente pelo ACONCHEGO DO MESMO na almofadinha... Lá ele lia até por volta das 21:00, quando, carinhosamente, ia à sala nos dar boa noite.  Seu último momento do dia...

Assim terminava mais um de seus dias de paz, de alimento para sua alma e seu espírito, da alegria por ter podido estar com mamãe, um dos filhos e seus amigos, os livros. 

Sua entrevista com Bruno Tavares sobre a médium Regina, do livro “Diversidade dos Carismas”, edição da Lachatre, é um registro importante dessa personalidade que conviveu com seu pai. O que lhe ocorre dizer sobre o trabalho desenvolvido por ambos?

O resultado do trabalho desenvolvido por ambos foi de uma magnitude sem precedentes na época, e é hoje admirado por milhares de pessoas que leem o livro, e que leram o(s) livro(s) cujos espíritos Regina (que como sabemos, significa “Rainha” em latim), com sua mediunidade incrível, recebeu no grupinho do papai. Este grupo se reuniu por mais de 20 anos. Os presentes eram ele, 3 casais (e depois apenas 1 casal), e Regina.  Foi nessas sessões que ela recebeu, com papai como dialogador), os quatro livros da série “Histórias que os Espíritos Contaram”:  O EXILADO, AS MÃOS DE MINHA IRMÃ, A IRMÃ DO VIZIR, A DAMA DA NOITE, editados pelo CORREIO FRATERNO, no total de 52 “histórias”, vividas através dos séculos, chegadas até Regina, e que foram devidamente transcritas do gravador por papai.

O “Diversidade...”, encantou milhares de leitores, e deu margem a interpretações e análises lindas, tais como o Livreto “A TAREFA DOS ENXOVAIS” (LACHATRE, 2017), que você Orson, criou com tanto carinho, admiração por papai e amor. Sou tão grata a você por este livrinho que eu batizei de “A PÉROLA NEGRA” e que está na minha estante, junto com os livros do papai, ao lado direito do “Diversidade”...  Papai “se emocionou” muito ao ver “A Pérola Negra” lá na espiritualidade!

“DIVERSIDADE DOS CARISMAS”, está na sua 9ª edição, de 2022, e é o segundo livro mais vendido do papai. Nesta encarnação, Regina, a médium descrita no livro, que teve vidas de muito poder em outras encarnações, hoje vive uma vida modesta, com humildade, e continua sua “tarefa” ajudando dezenas de pessoas.

Qual dos livros de Hermínio mais a impactou? Por quê?

Interessante que considero cada um e todos os livros do papai como minha herança de seus “amigos espirituais”. Eles trazem verdadeiras aulas de amor, doutrina, pesquisas exaustivas e esclarecedoras, consolo, incentivo, além de traduções memoráveis. Difícil falar sobre qual a obra que mais me impressionou porque ainda não li todos os seus livros (pelo que muito me penitencio). Assim, meus preferidos dos 45 que ele escreveu e dos 5 que traduziu, são os seguintes: NOSSOS FILHOS SÃO ESPÍRITOS (hoje em sua 15ª Edição) – A MEMÓRIA E O TEMPO – AUTISMO – DIVERSIDADE DOS CARISMAS – EU SOU CAMILLE DESMOULINS – CRISTIANISMO, A MENSAGEM ESQUECIDA.

De sua experiência de filha, o que mais a comove em suas lembranças?

É a maneira pela qual ele me criou, pensando no “agora” quando do meu nascimento e infância, até o “futuro”, na minha juventude e idade adulta. Meus pais se casaram em 11 de agosto de 1942 e eu nasci em 22 de agosto de 1943, portanto só não “estive” com eles de agosto a novembro de 1942, quando então mamãe ficou grávida. Fui filha única durante 5 anos e meio. Hoje, acredito que por ter sido a primogênita, e já em Nova York, no distante 1950, ele começou a me preparar para minhas futuras obrigações, comportamentos, estudos, responsabilidades, cultura...ou seja VIDA! Sou eternamente grata pela maneira como me criou – jamais com autoritarismo, e sim com um amor sem limites. No meu aniversário de 7 anos, 6 meses depois que chegamos nos Estados Unidos, ele me disse que eu tinha que estudar, e ajudar mamãe a cuidar da minha irmã com 14 meses, ligar sua vitrolinha, brincar de casinha com ela, etc. Em dezembro do mesmo ano, meu irmão nasceu e assim mamãe ficou com digamos, 2 bebês:  um recém-nascido e minha irmã com 1 ano e dois meses, sem empregada, e mal falando inglês!  Ele me estimulou, comprando discos e livros infantis em inglês.  Nos quase 5 anos que passamos lá, em cada aniversário meu, ele me dava um “presente” (cognome de uma “experiência” para minha vida futura)!!!  No primeiro ano, tive apenas uma festinha, com minhas amiguinhas americanas do condomínio.  No segundo ano, me levou ao “Madison Square Garden” para assistir ao Rodeio do Roy Rogers, meu “cowboy” ídolo e seu inesquecível cavalo Trigger! No ano seguinte, me levou ao “Carnegie Hall” para assistir Arturo Toscanini regendo a orquestra da NBC com Jascha Heifetz e seu Stradivarius, tocando Paganini, (eu com 9 anos)... e no último ano, antes de embarcarmos de volta ao Brasil, mamãe e ele me levaram a Washington de carro para conhecer as Cerejeiras e (pasmem!) Erico Verissimo!  Papai mantinha correspondência sobre livros e música clássica, com nosso grande e saudoso autor.  Olhei para a Casa Branca pela primeira vez, da calçada, sem poder imaginar o que me aconteceria no futuro... Visitamos também o Capitólio, os Monumentos de Lincoln e Jefferson, o Rio Potomac, ladeado pelas cerejeiras que meus olhos jamais esqueceram. Agora, com meus 81 anos, ao escrever este texto, me emociono só de lembrar daquele dia mágico.  No dia seguinte, fomos visitar “o casal “Tio Erico”... e sua esposa, d. Mafalda. Tudo isso me veio à lembrança, quando no dia 5 de fevereiro de 1968, logo após me formar em Direito, abri as portas da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, para meu primeiro dia como funcionária, no único emprego, que tive, onde trabalhei durante 46 anos e meio para o governo dos Estados Unidos!  

Lamentavelmente, papai não chegou a ver os diplomas, prêmios e medalhas que recebi no dia da festa da minha aposentadoria, em setembro de 2014.  Da espiritualidade, sei que ficou emocionado.   

A vida que eu levo hoje é testemunha e consequência da minha infância, de exemplos dele e mamãe, das responsabilidades que me deram desde tenra idade, estudos, respeito humano, profissionalismo, e principalmente AMOR.  Ele e mamãe foram impecáveis e mamãe foi aquela companheira destinada a ele por Deus e a quem ele amou até seu último sopro de vida, durante 72 anos.

Devo não apenas a vida física a eles, mas a benção de ter vivido 70 anos ao lado deles dois.

Algo mais a acrescentar?

Agradeço a você Orson, pela oportunidade desta entrevista e pelo carinho que você devota ao papai e seus livros.  Você, que é coautor dele ao escrever o livro “A Tarefa dos Enxovais”, baseado no livro “Diversidade dos Carismas”, pode imaginar minha alegria e emoção ao recordar tantas lembranças da minha vida com papai, meu ídolo enquanto “esteve” aqui comigo, e meu protetor na espiritualidade, “presente em mim a cada instante”. Imagino minha emoção ao me reencontrar com ele e mamãe quando “eu voltar para casa...”

Suas palavras finais.

Agradeço por participar de uma entrevista tão amorosa, Orson.  Foi uma emoção imensa reviver algumas passagens da vida do papai no seu despertar, e depois viver para o Espiritismo durante 67 dos seus 93 anos de vida, tendo a doutrina espírita como sua bússola e seus livros como destino. Ele hoje tem uma plêiade de amigos encarnados que entenderam seus silêncios, sua visão dos conceitos, sua inacreditável busca pela verdade, e a defesa irrecorrível e destituída de “medos”, ao defender seus pensamentos e seu único e inimitável AMOR. Você é um destes “amigos”, Orson.  Receba a gratidão do “embrulhinho morno”.

Se me permite, Orson, gostaria de encerrar com duas frases sobre papai por um de seus maiores admiradores, Alexandre Machado Rocha, editor de quase todos os seus livros publicados de 1989 até depois de falecido em 2013:

“Foi um homem notável que se cercou de pessoas notáveis como ele...”

“Quando a gente se apoia sobre gigantes, a gente consegue entender como são as coisas vistas de cima...”

 

Nota do Entrevistador:

Para acessar a entrevista com Bruno Tavares sobre a personagem Regina no livro Diversidade dos Carismas, clique neste LINK

Ou pesquise pelo título:  O Que Não Sabíamos Sobre Regina, A Médium de Diversidade dos Carismas HCMOGE#60 Bruno e Ana Maria



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