Nascimento da consciência

Antropológica e historicamente, a sobrevivência equilibrada do homem e da sociedade tem estado sempre vinculada à ideia de um mito central, no qual se haurem os valores éticos de sustentação das suas atividades e do seu equilíbrio. Toda vez que fatores adversos interferem nos mitos humanos, desacreditando aquele que sintetiza as suas aspirações, os homens se encaminham para o caos e se agridem e se perturbam, parecendo haver perdido o rumo.

Passada a tempestade, os seus remanescentes, não destruídos in totum, emergem, dando surgimento a uma nova ideação, e um mito criativo aparece preenchendo a lacuna deixada pelo anterior.

No estado atual da sociedade existe a carência de um mito predominante, que aglutine todas as mentes, sobre elas derramando as suas benesses e confortando-as.

A perda do mito expõe os conteúdos psíquicos, que alteram os objetivos das suas necessidades, fazendo-os mergulhar no vazio ou no desinteresse, no prazer ou na alucinação do poder.

Em se considerando que nenhum desses objetivos plenifica o indivíduo, ele passa a disputar a necessidade abrangente do despertar da consciência, interpretando os mitos menores nele jacentes.

Jung, em uma análise profunda, estabeleceu que “a existência só é real quando é consciente para alguém”, afirmando a necessidade que o Criador possui em relação ao homem consciente.

Oportunamente, voltou a esclarecer que “a tarefa do homem é (...) conscientizar-se dos conteúdos que pressionam para cima, vindos do inconsciente”. Esse despertar e crescimento da consciência, ainda segundo o eminente psicanalista, termina por afetar-lhe também o inconsciente.

É obvio que, se os conteúdos psíquicos emergentes formam a consciência, as contribuições atuais desta se irão incorporar ao inconsciente que surgirá mais tarde.

Deste modo, o nascimento da consciência se opera mediante a conjunção dos contrários, como decorrência de uma variada gama de conteúdos psíquicos, que formam as impressões arquetípicas ao fazerem contato com o ego, dando surgimento à sua substância psíquica e tornando todo esse trabalho um processo de individuação.

Daí surgem os discernimentos entre as coisas opostas, o eu e o não-eu, o ego e o inconsciente, o sujeito e o objeto, a própria pessoa e a outra. Dando campo aos conflitos, este sentimento que enfrenta e contesta torna-se uma forma altamente criativa de luta, cuja vitória proporciona satisfação, ampliação e aprimoramento da vida.

Sem essa dualidade dos opostos, que leva à reflexão, no processo de individuação, não há aumento real de consciência, que somente se opera entrando em contato com os opostos e os absorvendo.

A consciência, do ponto de vista filosófico, é “um atributo altamente desenvolvido na espécie humana e que se caracteriza por uma oposição básica, essencial. É o atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo — bem como aos denominados estados interiores e subjetivos — a distância em que se cria a possibilidade de níveis mais altos de integração...

Por sua vez, declara, ainda, Jung, a consciência é “a relação dos conteúdos psíquicos com o ego, na medida em que essa relação é percebida como tal, pelo ego”. E conclui que “as relações com o ego que não são percebidas como tal são inconscientes”. Estabelece, ademais, a diferença entre consciência e psique, que esta última “representa a totalidade dos conteúdos psíquicos” e como esses conteúdos, na sua totalidade, não estão vinculados no ego, tais não são consciência.

Nos mitos centrais de todos os povos, os opostos formaram a essência das suas crenças, dos seus conteúdos psíquicos geradores da consciência.

Encontramo-los nas religiões da antiguidade oriental e, particularmente, no mito da Criação, no qual, os conflitos da treva e da luz, do bem e do mal são relevantes. O Zoroastrismo também o ressuscitou e, mais tarde, a alquimia facultou o surgimento da Pedra Filosofal como mediadora dos opostos, do Santo Graal, como depósito que compõe as bases da consciência humana, a se avolumar através dos tempos, dando, desde o início, a ideia das suas várias expressões, tais: a consciência moral, a consciência de fé, a consciência do dever, de justiça, de paz, de amor...

Os equipamentos constitutivos da consciência sutilizam-se e adquirem mais amplas percepções que facultam o desenvolvimento emocional e ético do homem, auxiliando-o na liberação de conflitos.

As heranças atávicas, que se convertem em arquétipos, no inconsciente individual e coletivo dizem respeito às realidades do Espírito, em si mesmo responsável pelos resíduos psíquicos, que se transformam nos conteúdos preponderantes para a formação da consciência.

O homem deve adquirir o conhecimento para elevar-se do ser bruto, tornando-se o sujeito detentor da consciência. Não lhe bastará conhecer, mas, também, viver a experiência de ser o objeto conhecido. Não somente conhecer de fora para dentro, porém vivenciar o que é conhecido, incorporando-o à sua realidade. Enquanto o ego conhece, o outro passa a ser um objeto detido, conhecido, o que não plenifica. Esta satisfação advém quando o ego, passando pela vivência do que conhece, torna-se, por sua vez, conhecido pelo outro, que também tem a função de sujeito conhecedor. O ego adquire, desse modo, a consciência autêntica, no momento em que é sujeito que conhece o objeto conhecido.

Indispensável, nesse jogo do conhecer sendo conhecido, que se não crie uma dependência em relação à pessoa que conhece. A vida saudável é a que decorre da liberdade consciente, capaz de enfrentar os obstáculos e dificuldades que se apresentam no relacionamento humano e na própria individualidade. Esta é a meta que a consciência almeja.


Do livro O Homem Integral, Oitava Parte, cap. 32, de Joanna de Ângelis, psicografado pelo médium Divaldo Franco.



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