O "Ter" e o "Ser"

Hoje, como no passado, a criatura humana sofre as mesmas necessidades, possui os mesmos conflitos, agasalha dentro de si as mesmas inquietações, diferenciadas, é lógico, pelas circunstâncias de tempo e de condicionamento de técnica.

Um dos mais constantes problemas que permeia o Espírito é a dificuldade de estabelecer uma relação harmoniosa entre o ter e o ser. Em diversas épocas da Humanidade formularam-se e discutiram-se teorias acerca da posse dos bens terrenos, sua necessidade para o Homem e sua moralidade perante as leis de Deus.

Aristóteles, o eminente filósofo grego da Antiguidade (384/322 a.C.), em sua obra Política, preceituava que o ser humano, para ser virtuoso, necessitava possuir alguns Bens, que seriam os do Espírito, do corpo e das coisas exteriores, sem os quais germens criminológicos poderiam levá-lo ao desequilíbrio.

A religião, em suas diversas épocas e tendências ideológicas, ora pregava que aqueles que possuíssem bens materiais não entrariam no Reino dos Céus e ainda queimariam no fogo do Inferno, fazendo apologia da escassez ou da miséria, na busca da realização pessoal; ora pregava que se reconheciam os escolhidos de Deus por serem bem sucedidos na vida sócio-econômica.

“A psicologia sociológica do passado recomendava a posse como forma de segurança. A felicidade era medida em razão dos haveres acumulados, e a tranquilidade se apresentava como sendo a falta de preocupação em relação ao presente como ao futuro.

Aguardar uma velhice descansada, sem problemas financeiros, impunha-se como a grande meta a conquistar”1 

Mais recentemente, com a era tecnológica, apregoa-se a necessidade de possuir a maior quantidade possível de recursos materiais, tendo desde o essencial até ao supérfluo, sem se importar com a utilidade de tais aquisições, pois o importante é consumir e consumir.

Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, assevera que os bens terrenos são poderosos elementos do progresso do Espírito, proporcionando o progresso intelectual e por consequência o progresso moral.

A posse é, segundo a Doutrina Espírita, uma necessidade que atende objetivos próprios, que não
são únicos e exclusivos. O Espiritismo, portanto, não coloca o ter como causa imediata da felicidade, e sim como um meio e instrumento para atingir tal intento, criando condições para o indivíduo se educar e transformar os sentimentos conflituosos em harmoniosos, renovando-se intimamente.

Quando o indivíduo se encontra em estágio de infância psicológica, sendo egocêntrico e ególatra, cria mecanismos escapistas da personalidade, desumanizando-se e passando a categoria de
semideus, desvelando caprichos infantis, irresponsáveis, que se impõem, satisfazendo as frustrações.

Revertendo esse quadro através da educação, metodologia da convivência humana e situações em
que a Vida impõe mudanças, estrutura-se uma consciência de ser, antes de ter; de ser, ao invés de
poder; de ser, embora a preocupação de parecer. 

Sendo assim, o ter é elemento para ser, desde que não se abuse dele tornando-o pernicioso e prejudicial ao Espírito. Aplicando tais recursos de maneira sensata e lúcida experimenta o júbilo da realização, a imensa alegria do serviço, exteriorizada no bem estar que proporciona. Adquirindo, pouco a pouco, a consciência de si mesmo, que é a meta existencial, consegue discernir entre o ter e o ser, vibrando o auto-amor que desdobra a bondade, a compaixão, a ação benéfica em favor do próximo.


Bibliografia:

  • O Homem Integral – Cap. 6 – Joanna de Ângelis (1)
  • O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. XVI – Allan Kardec
  • O Ser consciente – Ter e Ser – Joanna de Ângelis (Jornal Verdade e Luz No 177 de Outubro de 2000)


Nota: artigo publicado na Revista digital MJE (Mundo Jovem Espírita) de Novembro de 2021.



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