Obras de Emmanuel não são "igrejeiras" e nem autoajuda

Introdução - A questão 625 de O Livro dos Espíritos estabelece que “Jesus é o Espírito mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para servir de modelo e de guia”. Está questão está inserida na terceira parte de LE, a qual trata das “Leis Morais”. A obra O Evangelho segundo o Espiritismo desenvolve justamente a discussão concernente a essa terceira parte de LE, denotando que o estudo do Evangelho de Jesus, na visão de Allan Kardec, e da Falange do Espírito de Verdade que o orientou, consiste em uma diretriz de segurança para o aprofundamento no entendimento das “Leis Morais”. Isso ocorre pois as “Leis Morais” constituem importante parte das Leis Gerais da Criação, assim como as leis que regem a matéria, as quais são estudadas pela física, pela química etc.

Vale registrar que, além da presença inicial em LE e da constituição central do tema do terceiro livro fundamental da obra de Allan Kardec, que é ESE, Jesus e o Evangelho são discutidos em boa parte da última obra fundamental publicada por Kardec, A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo, a qual foi publicada em primeira edição em 1868, aproximadamente um ano antes da desencarnação de Allan Kardec. Isso sem falar na obra O Céu e o Inferno, a qual contempla, indiretamente, tópicos a respeito da nossa destinação espiritual além-túmulo, o que não deixa de ter relação com vários ensinos registrados nos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João e das obras LE (incluindo a terceira parte), ESE e AG.

Sobre essa correlação, é interessante lembrar que no capítulo primeiro de O Evangelho segundo o Espiritismo, denominado “Não vim Destruir a Lei”, Kardec correlaciona as denominadas “três revelações”: Moisés, Jesus e o Espiritismo. O Mestre de Lyon destaca o sentido de sequência pedagógica no aprendizado do conhecimento espiritual. Discussão semelhante é também desenvolvida no capítulo primeiro de AG, caracterizando o Espiritismo como uma Revelação de aspecto duplo, isto é, uma Revelação ao mesmo tempo Humana e Divina, e sequencial em relação às contribuições prévias de Moisés e Jesus. Ademais, na Revista Espírita (RE), há uma item no qual Allan Kardec caracteriza o Apóstolo Paulo, importante referência para o pensamento emmanuelino, como precursor do Espiritismo (“São Paulo, Precursor do Espiritismo” na edição de Dezembro de 1863).

De fato, é inseparável doutrinariamente a correlação entre o legado de Jesus, através do seu Evangelho, e o Espiritismo. Só poderíamos admitir a suposta separação se rejeitássemos, de forma drástica, grande parte das obras de Allan Kardec, o que é inconcebível para todo Espírita consciente. A obra de Allan Kardec é um todo muito bem construído, no qual as partes constituintes se corroboram e auxiliam mutuamente a formar um conjunto conceitual extremamente coerente e auto consistente.

A compreensão do tríplice aspecto do Espiritismo precisa ser mais bem enfatizada em nossos arraiais para que esse bloco de ideias científico-filosófico-religiosas seja mais bem assimilado em seus princípios inter-relacionados e também no que diz respeito às suas diversas implicações doutrinárias.

Dentro desse contexto, uma das dúvidas que surgem em muitos confrades, a qual está muito voga atualmente nas discussões de grupos e fóruns espíritas, é a seguinte: Que papel e que valor têm as obras do Espírito Emmanuel dentro do contexto doutrinário? O presente artigo discute alguns ângulos desse tema tão debatido atualmente no Movimento Espírita Brasileiro (MEB).

A proposta de Emmanuel

Assim como Manoel Philomeno de Miranda (MPM) deixa claro em um dos seus livros obtido pela mediunidade de Divaldo Franco que seu propósito, com suas obras sobre o mundo espiritual e os processos de obsessão/desobsessão, é desenvolver um dos filões desbravados inicialmente por Allan Kardec na segunda parte da obra O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo, Emmanuel busca contribuir com o entendimento espírita a respeito das Leis Morais e do Evangelho de Jesus. Essa temática doutrinária, à semelhança do que ocorre com os estudos de MPM, foi também iniciada magistralmente pelo Mestre de Lyon, nesse caso com destaque para dois livros: O Livro dos Espíritos e mais notadamente em O Evangelho segundo o Espiritismo.

Se rejeitarmos esse conteúdo em si, considerando que o mesmo não seria propriamente doutrinário, teríamos que rejeitar igualmente vários outros autores espiritistas, altamente respeitados no Movimento Espírita (ME), na totalidade de suas obras ou pelo menos parcialmente, tais como: Cairbar Schutel (autor de “Parábolas e Ensinos de Jesus”; “O Espírito do Cristianismo”; “Vida e Atos dos Apóstolos” e “Interpretação sintética do Apocalipse”, entre outros); Paulo Alves Godoy (autor de “As Maravilhosas Parábolas de Jesus”, entre várias outras obras sobre passagens do Evangelho); Therezinha Oliveira (autora de “Parábolas que Jesus contou e valeu para sempre”, entre outras); Herculano Pires (“Revisão do Cristianismo”; “A Bíblia segundo o Espiritismo”, entre outras); Léon Denis (“Cristianismo e Espiritismo”, entre outras); Rodolfo Calligaris (Parábolas Evangélicas à luz da Doutrina Espírita) etc.

O que Emmanuel escreveu e como Emmanuel é lido

Emmanuel desenvolve um dos ângulos doutrinários desbravados pela obra de Kardec, desde LE (primeira edição em 1857) e com especial destaque para ESE (primeira edição em 1864) e denota ter por objetivo, através do aprofundamento das discussões das passagens e imagens do Evangelho à luz da Doutrina Espírita, trazer um conhecimento da Verdade e uma sincera busca de transformação moral, aplicando o binômio Evangelho-Espiritismo a nós mesmos e às nossas atividades.  Ora, o estudo da trilogia Evangelho-Doutrina Espírita-Reforma Íntima constitui, indiscutivelmente, tema central em quaisquer abordagens de valor à luz do Espiritismo.

A tendência a discursos superficiais de autoajuda vem crescendo nos centros espíritas, por parte de confrades que não demonstram possuir uma formação sólida em se tratando das obras fundamentais do Espiritismo, e, muitas vezes, nem do Evangelho. É evidente que o pensamento otimista e a autoajuda, de uma forma geral, fazem parte do contexto do aprendizado espírita, mas de forma alguma o conhecimento do Espiritismo é restrito à autoajuda, que, pode, inclusive, nem ser espiritualista, quanto mais espiritista.

Muitos leem Emmanuel como livros de autoajuda apenas, ou meramente como uma leitura introdutória para reuniões espíritas, sem mínima análise crítica, de uma forma que poderíamos caracterizar como “igrejeira” ou, no mínimo, protocolar. Não queremos afirmar que a leitura das mensagens de Emmanuel seja inadequada como texto de preparação para as reuniões públicas dos centros espíritas. Consideramos tal iniciativa positiva na preparação inicial de nossas reuniões. Só estamos frisando que as obras de Emmanuel não deveriam ficar reduzidas apenas a essa função, devido à qualidade elevada de seu conteúdo.

De qualquer maneira, não podemos atribuir a Emmanuel a maneira equivocada com a qual frequentemente seus textos são lidos ou aproveitados em nosso movimento espírita (ME). Emmanuel é responsável pelo conteúdo de sua obra e nós somos responsáveis pelas estratégias e pela seriedade do estudo que aplicamos ou não a esse estudo bem como pela assimilação intelectual e pela vivência prática do mesmo no cotidiano. Esse raciocínio vale igualmente para os textos de Allan Kardec e de qualquer outro autor espírita. Em outras palavras, nem Kardec, nem Emmanuel, nem qualquer outro autor espírita pode ser responsabilizado pelas interpretações limitadas e/ou equivocadas que, eventualmente, se pode fazer de suas respectivas obras.

Como é sabido, nem sempre o Movimento Espírita consegue representar, de forma coerente, o conteúdo espiritista. Vale lembrar a famosa frase de Léon Denis em sua obra “No Invisível” (NI): “O Espiritismo será aquilo que os homens fizerem dele”. Obviamente, Denis, ao utilizar o termo “Espiritismo”, refere-se, nesse contexto, ao Movimento Espírita, e não à Doutrina Espírita propriamente dita.

Considerar a obra de Emmanuel apenas autoajuda superficial ou meramente mensagem de preparação de ambiente psíquico para preces, sem estudo, sem reflexão sobre o conteúdo e sem meditação sobre suas implicações morais e doutrinárias consiste em menosprezar o valor do Evangelho dentro do contexto do Espiritismo. E, ademais, seria uma espécie de repetição de hábitos religiosos de denominações religiosas tradicionais, as quais leem textos evangélicos de forma, via de regra, meramente formal, com comentários explicativos mínimos ou mesmo inexistentes sobre as mesmas. Mas essa falha, reiteramos, tem que ser atribuída à parcela dos estudantes do texto emmanuelino que agem dessa forma e não ao próprio autor espiritual Emmanuel.

É curioso que estudiosos sérios e comprometidos com o Evangelho de Jesus não consigam enxergar o valor evangélico-doutrinário de livros como “Fonte Viva”; “Caminho, Verdade e Vida”; “Pão Nosso”; “Vinha de Luz”; “Palavras de Vida Eterna”; “Escrínio de Luz”; “Ceifa de Luz” etc. É possível, para não dizer provável, que, após os estudos evangélicos à luz da Doutrina Espírita elaborados na obra de Allan Kardec, os estudos de Emmanuel constituem os conteúdos mais consistentes e amplos, qualitativa e quantitativamente, de análises sobre os textos de Jesus de Nazaré e seus Apóstolos e discípulos de que dispomos no Movimento Espírita. Talvez, uma alternativa plausível de estudo do Evangelho à luz da Doutrina Espírita seria estudar os textos sobre o Evangelho de Kardec como obra principal, com o apoio das obras de Emmanuel como obra subsidiária. 

Sobre as passagens obscuras dos textos emmanuelinos

Em primeiro lugar, nenhum autor espírita detém a chancela de “infalibilidade”. A postura de atribuir um caráter infalível a quaisquer autores corresponde a um fanatismo religioso inadmissível dentro da proposta espírita. Logo, todos podem errar, e todos os autores deve ser submetidos à mais rigorosa análise crítica, para que a lógica do pensamento espírita forneça crescimento doutrinário aos estudiosos do Espiritismo. Isso vale para todos, sem exceção.

No que se refere especificamente a Emmanuel, muitos alegam que a resistência ao referido autor é devida a falhas doutrinárias ou a determinadas “marcas” de um suposto catolicismo do Benfeitor Espiritual.

Esse argumento parece fraco ou pelo menos superdimensionado.

Analisemos, primeiramente, a questão concernente a eventuais falhas doutrinárias.

Na obra emmanuelina há, realmente, passagens estranhas e/ou obscuras. Todavia, elas não são exclusividade deste autor espiritual. E é evidente que, no caso de Emmanuel, o saldo é imensamente positivo, pois seu legado de bons textos é imensamente superior ao número de seus escritos que podem ser considerados questionáveis do ponto de vista doutrinário.

Seria o caso de se perguntar: qual autor espírita que passou totalmente incólume a eventuais erros, ou, no mínimo, a passagens consideradas questionáveis do ponto de vista doutrinário?

Muitos conceituados autores espíritas também têm textos, no mínimo, muito questionáveis. Afinal, não admitimos, frisamos novamente, como algo admissível do ponto de vista espiritista o mito da infalibilidade para nenhum texto existente atualmente na Crosta terrestre.

Vejamos alguns exemplos de autores espíritas respeitáveis que nem sempre publicaram e/ou tiveram atitudes irrepreensíveis do ponto de vista espírita.

Léon Denis publicou no final de sua vida física “O Gênio Céltico e o Mundo Invisível”, que é um livro que apresenta passagens muito questionáveis, do ponto de vista espírita. De fato, Denis rejeita a contribuição espiritual da ascendência latina do povo francês e exalta a ascendência celta da França de forma muito estranha. Evidentemente, a formação cultural de um povo consiste em uma influência em seus valores e em sua maneira de proceder. Mas, principalmente, quando a discussão refere-se a uma ascendência antiquíssima, como é o caso, o estudo fica muito fraco à luz do conhecimento reencarnacionista, sobretudo dentro da ótica espírita. Importante frisar que se trata de obra publicada por um dos principais, juntamente com Gabriel Delanne, sucessores de Allan Kardec. Realmente, se considerarmos a reencarnação, constatamos, como Jesus explicou a Nicodemos, que “o que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito” e que “O Espírito sopra onde quer, mas não sabemos onde, e nem de onde vem nem para onde vai...”. Logo, é bem questionável tal ênfase empregada pelo respeitável trabalhador espírita.

Léon Denis também defende em sua aclamada obra “O Problema do Ser, do Destino e da Dor”, a polêmica e muito questionável ideia de que Jesus teria sido a reencarnação de Khrisna. Não aceitamos esta conjectura como verdadeira, o que é uma rejeição comum a muitos confrades.  O fato é que tal posicionamento, assim como a questionável obra “O Gênio Céltico e o mundo invisível”, não fizeram com que o ME perdesse o respeito, a gratidão e a divulgação das obras de grande valor de Léon Denis.

Hermínio C. Miranda, erudito autor espírita, com várias obras de relevância no contexto espírita, escreveu diversos livros altamente especulativos com relação a supostas reencarnações de figuras em sua maioria famosas, da história universal. Os subsídios que forneceram as bases para as respectivas teses são meras hipóteses com poucas e inconclusivas “evidências” (pressupostas evidências, as quais, em sua maioria, não resistem à menor análise). São diversas as obras que contemplam tais conjecturas, tais como “As Marcas do Cristo I e II”; “Eu sou Camille Desmoulins” (em parceria com Luciano dos Anjos); “De Kennedy ao Homem Artificial” (em parceria com Luciano dos Anjos); “As Vidas de Fénelon”; “Os Senhores do Mundo”. Apesar disso, Hermínio continua sendo um autor respeitado e tido em alta conta no meio espírita.

Hernani Guimarães Andrade escreveu obras sobre hipóteses a respeito da realidade material do mundo espiritual que não são bem construídas teoricamente. Textos como “A Teoria Corpuscular do Espírito” e “O Psi Quântico”, entre outras, são obras altamente especulativas, com limitações conceituais. Isso não significa que Andrade não tenha dado contribuições, sobretudo estudando reencarnação e mediunidade, com boas obras para o Movimento Espírita (ME). De qualquer maneira, Hernani G. Andrade é respeitado como um estudioso espírita que procurou estudar temas esquecidos por muitos confrades, e tem uma imagem positiva para a maioria dos espiritistas.

Até mesmo o extraordinário autor espírita José Herculano Pires supôs que o conceito físico de antimatéria poderia explicar a existência das realidades “semimateriais” do mundo espiritual, o que consiste em posicionamento altamente questionável. Tal hipótese é frisada em várias de suas obras. Obviamente, temos o maior respeito e admiração por J. Herculano Pires, segundo o próprio Emmanuel afirmou na época, “a maior inteligência espírita contemporânea” e “o melhor metro que mediu Kardec”.

Autores febianos, adeptos de Roustaing, escreveram textos fraquíssimos doutrinariamente, alguns, inclusive, chegando a colocar Roustaing ao mesmo nível e até acima de Allan Kardec. Apesar de tamanha incoerência e fanatismo injustificável, muitos desses autores continuam sendo respeitados como esforçados trabalhadores espíritas por muitos confrades.

O próprio Codificador do Espiritismo Allan Kardec mudou e/ou reajustou sua opinião em algumas oportunidades, tais como a questão da existência ou não do quadro de “possessão” (vide O Livro dos Médiuns e A Gênese), entre outras mudanças de opinião (sobretudo frisadas na “Revista Espírita”). E se não tivesse desencarnado, de maneira, a priori, prematura, nada garante que não pudesse ajustar e/ou modificar algum tópico ainda não significativamente esclarecido. Afinal, o Espiritismo é uma doutrina que evolui com o passar do tempo.

Com relação ao fato de haver algumas passagens tidas como excessivamente “igrejeiras”, ou seja, que denotam excessivas marcas de jargão católico, teríamos que refletir um pouco mais sobre tal tópico. Em primeiro lugar, não podemos olvidar que expressões católicas como “anjo” e “arcanjo” e títulos de santo são igualmente utilizadas pelo próprio Allan Kardec. Seja por uma questão didática considerando o momento histórico e o público alvo, os autores em questão podem ter avaliado que a maioria do público leitor ainda necessitava de referências culturais prévias para entender a essência do conteúdo. Por outro lado, tais passagens menos adequadas ao chamado “jargão espírita” também poderiam estar associadas a fixações de médiuns, Espíritos e até de Editoras e seus respectivos revisores (o que pode ter sido determinante nos supostos “erros doutrinários de Emmanuel”, sobretudo nas obras publicadas na década de 1930). Portanto, não necessariamente pode ser atribuído a Emmanuel todos os erros que eventualmente ocorrem em sua obra, principalmente nos livros publicados na década de 1930, quando Chico Xavier não era uma liderança espírita nacional e, provavelmente, os editores e revisores sentiam-se com mais autoridade para alterar os originais que Chico enviava para avaliação editorial para publicação. Tal como ocorre com os textos kardequianos e todos os demais textos espíritas, as passagens obscuras poderiam, perfeitamente, ser estudadas, discordadas e deixadas na chamada “quarentena”. Assim, estudaríamos, citaríamos e enfatizaríamos aqueles textos emmanuelinos que realmente consideramos de excelente qualidade doutrinária, o que, obviamente, constitui a esmagadora maioria do legado de Emmanuel.

Desrespeito contra Emmanuel

Alguns comentários sobre Emmanuel denotam um desrespeito totalmente injustificável e igualmente uma falta de avaliação de sua prolífica obra.

O rigor excessivo contra Emmanuel (que, usualmente, não é empregado contra outros autores que cometeram erros doutrinários muito piores!), utilizado por alguns confrades, fazendo uso até de palavras grosseiras e comentários totalmente inapropriados, demonstra uma dificuldade de debater ideias, em busca da fé raciocinada, de forma mais elegante. Basicamente, trata-se de uma postura de irreverência de confrades que se negam a conhecer e, por consequência, reconhecer a contribuição de Emmanuel para o aprofundamento evangélico-doutrinário dos membros do movimento espírita. Obviamente, é direito de cada um pensar e expressar-se livremente. No entanto, à luz do pensamento espírita, tal atitude não parece uma linha de comportamento adequada, principalmente quando ataques desrespeitosos são enunciados.

Alguns autores espíritas alegam que Emmanuel apresenta marcas de sua origem católica em seus textos. Não negamos que isso seja verdade. No entanto, consideramos uma cobrança desproporcional em relação especificamente a Emmanuel, pois tal característica é comum a muitos autores espíritas que não são rejeitados. A rigor, se fizermos uma avaliação de forma isenta, tal crítica à linguagem talvez pudesse ser aplicada ao próprio Codificador e aos Espíritos da falange do Espírito da Verdade. De fato, a obra de Allan Kardec manteve os títulos de santos e figuras de linguagem da tradição cristã típicas de origem católica.

Muitos chamam Emmanuel, pejorativamente, de “jesuíta”, mas parecem esquecidos de que grandes erros do Cristianismo tiveram origem no pensamento de Santo Agostinho, importante Espírito da Codificação. Parecem não se incomodar com isso e nem com o título de “Santo” que permanece nos textos de Kardec. Será que as mensagens de Santo Agostinho presentes na obra de Kardec devem ser rejeitadas tais como as mensagens de Emmanuel têm sido por alguns confrades, simplesmente por ele ter sido padre? E as mensagens do cura d´Ars, de Lacordaire, de Lammenais e outros pensadores com atuação em meios religiosos (em suas respectivas reencarnações, nas quais tiveram tais nomes), presentes na Codificação, também merecem ser desconsideradas?!

É evidente que existe uma parcela do ME com forte tendência “espiritólica”, a qual demonstra uma “leitura” da Doutrina Espírita eivada de uma incompleta desvinculação católica. Mas atribuir esse “espiritolicismo”, basicamente, ao benfeitor Emmanuel e suas discussões evangélico-doutrinárias, além de aparentemente injustiça (ou no mínimo um grande exagero em um raciocínio simplista), acaba atrapalhando a divulgação de mensagens dignas de valor doutrinário.  Em sua grande maioria, as mensagens de Emmanuel apresentam elevado nível intelecto-moral em sua discussão evangélico-doutrinária, o que faz de muitas dessas críticas uma incoerência perante nossa perene busca por fé raciocinada.

Emmanuel está passível de críticas, tal como ocorre com qualquer autor espírita, encarnado ou desencarnado. Ou seja, nenhum escritor ou orador espírita está acima de eventuais avaliações negativas. Aliás, bons autores e expositores nem sempre conseguem manter o mesmo nível de excelência em todas as suas obras e palestras/seminários, o que pode ser causado por diversos motivos. Entretanto, os ataques a que Emmanuel tem sido submetido com certa frequência no ME, em uma espécie de “modismo anti-Emmanuel”, denota uma visão parcial dos respectivos avaliadores.

Herculano Pires seria uma espécie de adversário doutrinário de Emmanuel?

Muitos dos críticos de Emmanuel alegam estar apoiados em Herculano Pires, esquecidos de que, além de parceiros em cinco livros, Herculano disse para quem quisesse ouvir: “Eu sou fã de Emmanuel”. “Acabo de publicar um livro no qual apoio integralmente as mensagens de Emmanuel” (referindo-se à obra “Chico Xavier Pede Licença”). Confira na Web o que Herculano disse sobre Emmanuel: https://www.youtube.com/watch?v=6you07jnkpo&t=140s

Estamos utilizando do mesmo rigor doutrinário na avaliação dos diferentes autores?

Sem uma sinceridade maior tanto do ponto de vista intelectual como do ponto de vista moral para ler a Doutrina Espírita e o Evangelho, criaremos um subgrupo dentro do movimento espírita, supostamente sincero, mas muito semelhante ao fundamentalismo daqueles que estudam a Bíblia muito mais orientados pelo “Velho Testamento” do que pelo “Novo Testamento”. Essa distorção pode gerar muitos prejuízos ao ME.

Se Emmanuel é lido de forma igrejeira em algumas reuniões de grupos espíritas, sem análise lúcida e comentários de valor doutrinário, a responsabilidade de tal procedimento é daqueles que assim procedem e principalmente das lideranças que fomentam tais práticas. Jamais poderíamos responsabilizar Emmanuel por essas dificuldades.

É lamentável que muitos percam tempo atacando um autor como Emmanuel, quando constatamos diversos autores limitadíssimos evangélica e/ou doutrinariamente sendo divulgados por vários confrades, inclusive por alguns que combatem os textos emmanuelinos. E dessa forma, cada vez mais o movimento espírita vem sendo “invadido” por obras muito fracas doutrinariamente. Essa inversão de valores, mesmo que inconscientemente, vem abaixando o nível doutrinário médio de nosso movimento espírita, restringindo-o a uma condição de movimento religioso com um nível de discussão espiritual de um primarismo chocante, em pleno século XXI, já decorridos 161 anos desde a publicação da primeira edição de O Livro dos Espíritos.

Os problemas associados a admitir uma suposta “infalibilidade” do texto e as atitudes dos Espíritos de Kardec e Emmanuel

Em plena comemoração/reflexão sobre os 150 anos de publicação de “A Gênese”, observamos a polêmica que viceja atualmente no ME pelo fato do conteúdo do mencionado livro ter, possivelmente, sofrido modificações indevidas após a morte de Allan Kardec.

Que se saiba, Kardec não “voltou”, em Espírito, para avisar aos confrades quais edições seriam fidedignas e quais não seriam adequadas. Se essa suposta mensagem foi obtida por algum médium, aparentemente, não chegou a ter uma ampla divulgação ou um reconhecimento como texto com alta probabilidade de autoria kardeciana.

Ora, os problemas das obras de Emmanuel, em sua maioria, estão inseridos nos livros publicados em primeira edição na década de 1930, quando o poder de influência do médium Chico Xavier sobre o processo de editoração era praticamente insignificante.

Se não cobramos de Kardec-Espírito que ele tenha voltado ou volte para alertar sobre possíveis adulterações de seus livros ou mesmo por interpretações doutrinárias equivocadas, por que razão cobraríamos tão duramente de Emmanuel por eventuais falhas que não necessariamente estavam em seus textos originais?

Quem quiser rejeitar o autor Emmanuel, tem total liberdade para isso, usando, obviamente, de seu livre-arbítrio e de sua consciência doutrinária. Mas que faça estudando uma significativa amostragem dos livros do autor para ter um mínimo conhecimento de causa. Que também leve em consideração o conteúdo dos chamados “Livros de Mensagens” de Emmanuel, tais como aqueles da chamada série “Fonte Viva”, cuja expressão “Livros de Mensagens”, consagrada pelo uso em nosso movimento, normalmente passa uma subentendida ideia de livros de menor valor doutrinário. Isso faz, inclusive, que tais obras, realmente elevadas do ponto de vista doutrinário, sejam niveladas por baixo com outras obras difundidas no meio espírita mas que se encontram muito aquém do nível de discussão emmanuelina.

Fora Kardec, quantos autores espíritas são melhores que Emmanuel?

Se Emmanuel tem um nível doutrinário insuficiente a ponto de alguns combatê-lo, tais confrades estão convidados a citar obras de valor doutrinário superior e, se elas não existirem, a produzir as tais obras.

Obviamente, todos somos iniciantes na busca pelo conhecimento doutrinário. Por outro lado, já temos condições de analisar criticamente as obras, o que é, inclusive, indispensável, à luz da Doutrina Espírita. Se a defesa da qualidade da obra emmanuelina não for justificada na opinião dos eventuais leitores desse texto, seria o caso de se fazer um estudo comparativo em termos de conteúdo, originalidade, abrangência, valores morais, informações evangélicas etc. com outras obras do gênero, tidas como excelentes dentro do movimento espírita (ME). Será que são realmente melhores que os textos emmanuelinos?!

Valeria para os confrades que combatem o valor dos textos de Emmanuel uma segunda reflexão acompanhada de uma simples proposta. Por que os confrades, adversários das ideias de Emmanuel, não tentam escrever um único livro com 180 artigos originais sobre versículos evangélicos, que não sejam repetitivos, e que ensinem Evangelho, Doutrina e reforma íntima, de forma coerente, em um bom português, com uma qualidade superior àquela dos textos de Emmanuel? Se conseguirem tal feito, a nosso ver inédito, certamente trarão grande contribuição ao movimento espírita, pois estarão contribuindo para a melhoria de nossos estudos e aprofundamentos doutrinários. E, por outro lado, se perceberem que não é tão fácil assim escrever somente um livro de 180 mensagens (lembrando que Emmanuel tem vários com esse volume), seria o caso, talvez, de repensar alguns exageros críticos. Afinal, “reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que empreende para domar suas más inclinações”.

O reconhecimento do Movimento Espírita aos Livros de Emmanuel

Em 1999, em uma pesquisa realizada pela Editora Candeia, foram eleitos, por importantes trabalhadores espíritas, os dez maiores livros espíritas do século XX. Dentre esses dez livros, três são de autoria de Emmanuel: Paulo e Estêvão, A Caminho da Luz e Há Dois Mil Anos. Será que esses confrades votantes nessa pesquisa estão completamente equivocados e obnubilados doutrinariamente? Obviamente, apesar de improvável, isso não é impossível. Mas se for esse o caso, seria necessário um amplo estudo das falhas de grande parte de expoentes de nosso movimento.

Após Allan Kardec, provavelmente nenhum outro autor espírita escreveu quantitativamente e qualitativamente tão bem sobre o Evangelho à luz da Doutrina Espírita como Emmanuel. Assim sendo, seria o caso de se questionar: Acaso, todos os adversários de Emmanuel rejeitariam o caráter religioso e cristão do Espiritismo? Ou considerariam esse aspecto religioso e cristão menos relevante? Ou só leem uma única obra religiosa/cristã, que seria O Evangelho segundo o Espiritismo?

Ficam os questionamentos em prol de nosso maior entendimento do tríplice aspecto doutrinário.



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