Prisão lisonjeira

Pois eu vim para ser motivo de discórdia entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Mateus 10:35

All we are is dust in the wind. (Tudo que nós somos é poeira no vento) Música: Dust in the wind. Kansas.

Esse artigo é um tanto diferente. Não espere um artigo convencional. Isso aqui é muito mais uma obra literária que tem por objetivo mostrar como nos afastar de inimigos ocultos da nossa prática do bem. Como identificar um adversário sutil e bem mascarado que muitas vezes passa despercebido por nós.

Vamos fazer um esforço de imaginação. Vamos imaginar um grande inimigo de Deus. Vamos tentar entrar dentro da mente deste tolo e perceber como ele faria para nos afastar de nosso Pai/Mãe amoroso(a). Vamos tentar descobrir como ele agiria (imaginando que fosse apenas um agente maligno para facilitar nosso trabalho) para melhor nos defender de suas estratégias.

Se fôssemos inimigos de Deus teríamos um trabalho muito difícil pela frente. Não seria nada fácil esconder tudo de bom que recebemos o tempo todo. Como apagar o sol, por exemplo, e todo seu espetáculo no horizonte? Como esconder a beleza estampada para todos em todos os lugares do planeta? Como poderíamos para as cachoeiras, o milagre das produções, dos frutos e das flores? Não, não poderíamos.

Não poderíamos parar o amor, por exemplo. Não poderíamos evitar que esse sentimento nobre florescesse nos corações e que ele aquecesse a todos das amarguras da vida. Não poderíamos evitar que as pessoas se apaixonassem umas pelas outras e que se apaixonassem pela vida, ainda que esta viesse com todas suas contrariedades. As pessoas poderiam aprender a ver a vida assim como uma montanha russa. Com altos e baixos, mas muito divertida assim mesmo. As pessoas aprenderiam que o amor dá tempero à vida e que este tempero pode deixar bem atraente todas as vicissitudes do caminho e que se o caminho parece cruel demais é que nós nos esquecemos do amor em alguma parte dele.

Não. Não poderíamos convencer toda humanidade a esquecer do amor. Nem de Deus. Como apagar uma voz instintiva ecoando do fundo das nossas almas? Como apagar um registro coletivo, inato? Como silenciar a voz mansa que nos consola em nossas aflições? Como tirar nos corações poéticos o espanto diante da vida? Mesmo as feras demonstram sinais Dele!

Não acredita? Bem, Deus não é nada tímido! Ele se mostra em toda parte. Ou você nunca reparou na perfeição da beleza? A perfeição é um atributo divino e ela está em toda parte. Não pode ser apagada. Até mesmo uma flor do campo estampa e grita a beleza de Seu Criador! Porquê ele dá beleza a cristais de gelo? Chamas? Tudo grita a beleza de Deus! Basta um pequeno esforço de imaginação... e talvez de pintura, de alma artística para notar todo espanto diante de tanto amor aos detalhes.

Não tem como calar Sua obra pois ela está em toda parte, até mesmo dentro de cada um de nós e isso é irreversível! Mas calma, nosso esforço não para por aqui. Nem tudo está perdido para quem quisesse nos afastar Dele. Ainda resta um meio. Um de muitos, mas aqui neste “artigo” falaremos de um deles.

Se você não pode destruir a obra pois ela é grande demais, impressionante demais e inegavelmente bela, você pode sufocar Seu criador em uma prisão lisonjeira!

Prisão lisonjeira, uma prisão de elogios e de adulações. Nós não podemos sufocar a obra divina mas podemos sufocar nossa sede de adoração através de uma rede de homenagens e de elogios.

Prendemos Deus, Jesus e seus melhores profetas em um castelo de sonhos. Em festas, rituais, presentes, livros, datas comemorativas, em belos templos e até mesmo em singelos centros espíritas.

Porquê estamos sufocando-O? Porque O estamos prendendo lá. Toda vez que você acha (ou simplesmente age como se pensasse assim) que seu trabalho no bem se resume ao seu templo ou se resume às obrigações à ele relacionadas, você estará sufocando Deus, Jesus e seus profetas nesta prisão lisonjeira.

É uma prisão que elogia, que adula ao invés de desmerecer, mas não deixa de ser uma prisão. Nós adulamos Deus, elogiamos e até tememos, mas não o amamos pois não o levamos para casa. Batemos palmas para Ele mas não deixamos Ele vir conosco para nossa intimidade. Vamos visita-lo uma vez por semana em sua linda prisão, mas não O libertamos. Não queremos tirá-Lo de lá.

 Nos reunimos no natal, distribuímos roupas, lemos coisas e coisas, mas é como se estivéssemos cumprindo ordens de um patrão exigente. Batemos o ponto. Só isso.

Você ama Francisco de Assis? Deixe-o entrar em sua vida. Deixe-o sair desta cadeia de papel que construímos para ele. “Mas eu não sou digno” – você deve estar pensando. “Quem sou eu?”. Ninguém é. Ninguém é grande o suficiente pois estamos sempre crescendo. Como você acha que Pedro se sentiu diante de Jesus? Preparado? Ou assustado e em dúvida?

É meu amigo leitor. Ele também se sentiu assim a talvez até hoje se sinta. Não é privilégio seu. Mas uma coisa eu posso te dizer, se você nunca retirar Francisco desta prisão de pó ele nunca vai conseguir te ajudar.

Meu convite é para que sejamos corajosos e que libertemos Jesus dos templos! Digamos a Ele: eu não tenho mais medo de você! Venha para casa comigo! Mude minha vida. Você não é mais somente uma data para mim. Não é apenas uma árvore colorida de natal, uma refeição ou uma história fantástica. Você é meu amigo. Ainda que eu não siga tudo que você disse, mas eu deixo você entrar em minha vida. Interferir nos meus pensamentos. Me incomodar quando o que eu quero mesmo é resolver meus problemas aos berros. Sentir seu olhar sereno me acalmando quando tudo o que eu queria era abreviar minha dor.

Eu não aceito mais sua prisão lisonjeira. Eu não vou mais ficar só te adulando para confortar minha frustração de não conseguir segui-lo pois nem mesmo seus apóstolos conseguiram. E também não faz sentido exigir isso de mim quando você mesmo disse que veio para os fracos e doentes. Eu me identifico com os fracos e doentes e elejo você como meu médico e bem acima disso: você é meu amigo. Eu confio em você!

Faço este convite para todos (todas) que estão lendo estas linhas: vamos libertar Jesus dessa prisão lisonjeira. Vamos deixa-Lo entrar em nossas vidas, ainda que isso nos assuste.

O trabalho no bem é muito mais fácil quanto ele se limita a ler livros, distribuir sopa, ir ao centro, orar maquinalmente, compreender aquele irmão diferente de nós com um ar de soberba... Tudo isso é muito importante e muito bonito mesmo. A caridade é um dos capítulos mais belos do evangelho de Jesus.

O convite que estamos fazendo não é para suprimirmos as comemorações, os livros, a distribuição das roupas ou da sopa, as orações nos templos... Não. Tudo isso é extremamente importante para todos nós! Mas nosso trabalho não se limita a isso.

O convite é até bem desagradável pois ele nos recomenda a retirar Jesus do centro, do templo, dos cultos e das missas e deixa-lo interferir em nosso dia-a-dia. Devemos ser cristãos o tempo todo, não somente quando vamos ao templo. Esses templos são apenas poeira no vento, como diz a música.

Você gosta de Jesus? Quer homenageá-lo? Gosta de Chico Xavier ou de Francisco de Assis? Quer demonstrar isso? Deixe as flores viverem em paz! Deixe os adornos caros e os banquetes fartos. Que tal algo diferente? Que tal transformar um grande defeito em homenagem à este que aquece seu coração para a prática do bem?

Eu garanto a você que entre um ramalhete pomposo e um passo a frente na caminhada do bem, qualquer grande nome do cristianismo preferiria este último. Você pode perguntar a qualquer deles, e eles te diriam a mesma coisa pois quem os inspira é o próprio evangelho de Jesus que nos ensina a abandonar as 99 ovelhas no deserto para recuperar a ovelha perdida. E se a ovelha perdida formos nós? Formos nós por conta de um desses defeitos horríveis que teimam em nos afastar da prática do bem? 

Mas calma! Não precisa achar que você vai se tornar franciscano assim, de uma hora para outra, só porque decidiu.

Que tal começar suavemente, assim como uma chuva mansa? Ou um pôr-do-sol? Gradativamente, mas progressivamente.

Um exemplo: você quer homenagear Francisco, mas não suporta gente e nem animal. Só ama Francisco, mas não tanto. Certo. Que tal começar com um dia sem comer carne, só para contribuir para a diminuição do impacto no meio ambiente pelo consumo de carne. É só um dia na semana. Passa rápido e com criatividade, pode ser bem divertido e saudável. Já é um passo.

Você quer homenagear Jesus e não sabe como. Não gosta de sopa e nem de distribuir roupa. Não fala em público. Certo. Sabe aquele motorista que te fechou no trânsito? Sabe aquele cara que você não suporta? Que tal reservar um minuto para orar por ele em nome de nosso amado mestre? Que tal dar bom dia para as pessoas em nome dele? Ou tentar falar com menos impaciência porque Jesus me tocou?

Vamos tirar Jesus dessa prisão lisonjeira hoje mesmo! Vamos dizer a ele: seja bem-vindo em minha casa! Ou melhor: seja bem-vindo como conselheiro maior de minha vida! Eu aceito o desafio ainda que isso me torne diferente de todos dentro de minha família e que eu seja um motivo de “discórdia” justamente por tentar me dar bem e me ajustar com todos.

Jesus nos avisou que o seguir não seria uma fácil. As pessoas poderiam nos criticar e nos perseguir por causa dele. Ou você acha que as pessoas aceitam tranquilamente alguém que seja, por exemplo, católico e que tenha um grande amigo espírita? Ou uma pessoa de posição política de esquerda que se dê muito bem com uma pessoa de posição política de direita?

Deveria ser óbvio para um cristão conviver com as diferenças, mas infelizmente não é. Justamente por acorrentarmos o cristianismo nos templos, nas prisões de homenagens e de elogios que nos impedem de mudar a nós mesmos.

A discórdia prevista por Jesus não é apenas uma discórdia de diferenças entre cristão e não-cristãos que aconteceu nos primeiros momentos do cristianismo. Era também um desentendimento sobre a forma de conviver com os outros. Se você libertar Jesus dos templos e dos rituais, ele entrará em sua vida e te modificará de verdade. Talvez algumas pessoas que hoje gostam de você não gostem mais quando você mudar, pois talvez elas gostem dos defeitos que fazem você se parecer com ela. E talvez quando você mudar, ela fique inquieta e insegura e não queira mais confiar em alguém diferente.

Mas não tema! E sobretudo, deixe Jesus interferir em sua vida e não deteste as pessoas que não gostam de você. Dê a Ele este grande presente! Deixe brilhar sua luz!

Da próxima vez que quiser homenagear um grande nome da prática do bem lembre-se: oferte a ele (ou ela) um passo na caminhada do bem e liberte-o de sua prisão lisonjeira. Deixe-o brilhar em sua vida e deixe brilhar sua luz!



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