Quistos invisíveis - Rogério Coelho

“Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele...” -  Jesus.  (Mt., 5:25.)

Jesus afirmou que Suas palavras não passariam e, além disso, o que podemos observar é que elas se enriquecem de significado na medida em que vamos avançando com o escopro da investigação nas províncias do conhecimento...

Evidentemente Ele não poderia oferecer-nos, de uma só vez, toda a Luz de que Se fazia vexilário maior, pois ficaríamos ofuscados; mas, à medida que o tempo vai cobrindo as distâncias entre Seus ensinamentos e nossa capacidade de assimilá-los, novos horizontes vão surgindo.

Assim é que ao tomarmos conhecimento da sempre singular “Série André Luiz” psicografada pelo não menos singular médium mineiro Chico Xavier, vislumbramos novas nuanças no ensino messiânico... Quando cunhou a assertiva em epígrafe, Jesus ofereceu-nos uma excelente profilaxia contra os futuros quistos invisíveis que poderiam assolar nossa economia espiritual.

Narrando o episódio que poderíamos classificar de “obsessão animista”, André Luiz nos mostra quão oportuna é aquela recomendação de Jesus ao nos sugerir a conciliação com o adversário em regime de urgência... Em companhia de Hilário e do Mentor Áulus, André Luiz inteirou-se da grave sequela produzida em uma senhora desencarnada, pelo descaso a que foi relegada aquela recomendação de Jesus, quando o passado emergiu com violência destruidora. Acompanhemos a narrativa do Mentor[1]:

“(...) A pobre senhora desencarnada, carregada de densas sombras e ódios comburentes, prorrompeu em soluços... Procedia como se estivesse obsidiada, mas não havia obsessores por perto e tampouco sofria deletérias influências telepáticas. Era tão somente o seu passado que, emergindo das dobras do inconsciente, a perturbava... A mágoa e o azedume, tanto quanto a personalidade supostamente exótica de que dá testemunho, tudo procede dela mesma... Ante a aproximação de antigo desafeto, que ainda a persegue de nosso plano, revive a experiência dolorosa que lhe ocorreu, em cidade do Velho Mundo, no século passado, e entra em seguida a padecer insopitável melancolia.

Recomeçou a luta na carne, na presente reencarnação, possuída de novas esperanças; contudo, tão logo experimenta a visitação espiritual do antigo verdugo, que a ela se enleia, através de vigorosos laços de amor e ódio, perturba-se-lhe a vida mental, necessitada de mais ampla reeducação, vez que ela imobilizou grande coeficiente de forças do seu mundo emotivo, em torno da experiência a que nos referimos, a ponto de semelhante cristalização mental haver superado o choque biológico do renascimento no corpo físico, prosseguindo quase que intacta. Fixando-se nessa lembrança, quando instada de mais perto pelo companheiro que lhe foi irrefletido algoz, passa a comportar-se qual se estivesse ainda no passado que teima por ressuscitar. Em tais momentos, é alguém que volta ao pretérito a comunicar-se com o presente, porque ao influxo das recordações penosas de que se vê assaltada, centraliza todos os seus recursos mnemônicos tão-somente no ponto nevrálgico em que viciou o pensamento.

Mediunicamente falando, vemos aqui um processo de autêntico animismo. Ela supõe encarnar uma personalidade diferente, quando apenas exterioriza o mundo de si mesma, emergente dos escaninhos do subconsciente.

Caracterizaria isso, portanto, um quadro de mistificação inconsciente? Absolutamente não!... Muito embora alguns companheiros espíritas venham convertendo a teoria animista num travão injustificável a lhes congelarem preciosas oportunidades de realização do bem, não nos cabe adotar como justas as palavras “mistificação inconsciente ou subconsciente” para nomear a ocorrência.  Na realidade, a manifestação decorre dos próprios sentimentos de nossa amiga, arrojados ao pretérito, de onde recolhe as impressões deprimentes de que se vê possuída, externando-as no meio em que se encontra. Deve, portanto, ser tratada com a mesma atenção que ministramos aos sofredores que se comunicam. É também um Espírito imortal, solicitando-nos concurso e entendimento para que se lhe restabeleça a harmonia. A ideia de mistificação talvez nos impelisse a desrespeitosa atitude, diante de seu padecimento moral. Por isso, nessas circunstâncias, é preciso armar o coração de amor, a fim de que possamos auxiliar e compreender. Um doutrinador sem tato fraterno apenas lhe agravaria o problema, porque, a pretexto de servir à verdade, talvez lhe impusesse corretivo inoportuno em vez de socorro providencial.

Ainda que ela esteja tão somente dando vazão ao próprio potencial anímico, mesmo assim podemos considerá-la médium, vez que um vaso defeituoso pode ser consertado e restituído ao serviço. Naturalmente, em casos tais, a paciência e a caridade necessitam agir para salvar. A criatura nesse estado deve ser ouvida na posição em que se revela como sendo em tudo a personalidade do pretérito que emerge no presente, causando perturbação e alienação...

A personalidade antiga não tendo sido eclipsada pela matéria densa como seria de desejar faz com que a criatura reencarne sem renovar-se em espírito...

Outros não são os mendigos que arrastam na Terra o esburacado manto da fidalguia efêmera que envergaram outrora... Quantos escravos da necessidade e da dor trazem consigo a vaidade e o orgulho dos poderosos senhores que já foram em outras épocas!...  Quantas almas conduzidas à ligação consanguínea caminham do berço ao túmulo, transportando quistos invisíveis de aversão e ódio aos próprios parentes, que lhes foram duros adversários em existências pregressas!...

 Todos podemos cair em semelhantes estados se não aprendermos a cultivar o esquecimento do mal, em marcha incessante com o bem”.

Portanto, na árdua e difícil conquista da manumissão[2] espiritual há que se considerar o relevante impositivo do perdão aos inimigos como a condição básica para a efetivação de tal desiderato, pois só assim, em perfeita e dócil obediência àquela conclamação de Jesus sobre a urgência da conciliação, desligar-nos-emos das tredas amarras do pretérito...

Qualquer criatura que apresente tais sintomas anímicos necessita, tanto quanto os obsidiados comuns, da intervenção assistencial em seu benefício, vez que pela enfermagem espiritual bem conduzida, poderão reajustar-se para os futuros cometimentos em valiosas tarefas mediúnicas.                                                                    

________________________________________

[1] - XAVIER, Francisco Cândido. Nos domínios da mediunidade.  12.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1983.cap. 22.

[2] - Alforria legal de um escravo.



Comentário

0 Comentários