Só damos o que possuímos - Eder Andrade
Muitas pessoas acreditam que, segundo as antigas histórias bíblicas, o sentido de fazer a caridade na Antiguidade estava associado à posse de bens materiais que poderiam ser doados no templo de Jerusalém ou também aos necessitados que cruzavam o seu caminho com as esmolas.
Levando em conta a época e a cultura dos hebreus, a riqueza material era a principal fonte da felicidade e as pessoas se sentiam privilegiadas por Deus. Por isso que Jesus fazia analogias e usava alegorias para explicar questões de ordem moral.
Historicamente os povos não gostavam de pagar impostos e a questão dos bens materiais sempre foi colocada em evidência. É um bom exemplo a história do óbolo da viúva que conta a passagem de uma pobre viúva que abriu mão do pouco que tinha para ajudar aqueles que nada possuíam no templo de Jerusalém.
Cairbar Schutel apresenta uma boa explicação para isso quando escreveu:
“As Parábolas dos Evangelhos são alegorias...”
“O emprego contínuo, que durante o seu ministério Jesus fez das parábolas, tinha por fim esclarecer melhor seus ensinos, mediante comparações do que pretendia dizer com o que ocorre na vida comum e com os interesses terrenos. Sugeria, assim, o Mestre, figuras e quadros das ocorrências cotidianas, para facilitar mais aos seus discípulos, por esse método comparativo, a compreensão das coisas espirituais”. 1
Jesus procurava mostrar que existiam dois tipos de caridade, a caridade material e a moral. A caridade material representava a doação dos bens que possuímos de forma transitória, no caso o dinheiro. Mas a doação moral representava a boa vontade, a dedicação e principalmente o tempo em querer ajudar e ser útil àqueles que precisavam de um acolhimento, atenção ou consolação.
Podemos destacar a história do bom samaritano, em que um samaritano passava por uma estrada indo até Jericó e encontra um homem que havia sido espancado e provavelmente assaltado, sendo deixado caído na estrada, entregue à sua própria sorte. O samaritano procurou ajudar esse homem tratando das suas feridas e também materialmente, levando-o a uma estalagem até melhorar e seguir seu caminho. A principal preocupação era ajudar aquele desconhecido, para ele seguir o seu destino.
Rodolfo Calligaris procura dar uma interpretação mais didática na visão espírita, onde a questão central é ajudar a quem passa por nosso caminho, e seguir sua caminhada evolutiva, independente de quem seja:
“...para entrarmos na posse da vida eterna não basta memorizarmos textos da Sagrada Escritura. O que é preciso, o que é essencial, para a consecução desse objetivo, é pormos em prática, é vivermos a lei de amor e de fraternidade que ele nos veio revelar e exemplificar.
Jesus, então, extraordinário pedagogo que era, serenamente, sem impacientar-se, conta-lhe a parábola do “bom samaritano”, através do qual elucida o assunto, fazendo-o compreender que ser próximo de alguém é assisti-lo em suas aflições, é socorrê-lo em suas necessidades, sem indagar de sua crença ou nacionalidade.” 2
A passagem bíblica fala na posse de um bem inalienável, um bem que possuímos e que não foi conquistado, nem adquirido com trabalho, mas por mérito de ordem moral. Esse é o verdadeiro bem que podemos oferecer ao nosso semelhante, o nosso tempo, a nossa boa vontade e o nosso desejo sincero em querer ser útil.
Algumas pessoas afirmam que a caridade material é muito importante, porque as pessoas precisam de comida e agasalhos. Jesus em seus ensinamentos procurava focar a necessidade moral de todos que passavam pelo seu caminho, como a questão do acolhimento ao sofredor, do esclarecimento para aqueles que passavam por uma provação e em alguns casos a intercessão espiritual para uma cura, ou um processo de desobsessão, dependendo do merecimento de cada caso, até como uma forma de servir de exemplo para todos os demais.
Chico Xavier psicografou vários livros para nossa compreensão. Destacamos essa passagem sobre a questão da caridade segundo Emmanuel:
“Sem dúvida, em nos reportando aos bens materiais, há sempre mais alegria em ajudar que em ser ajudado, contudo, é imperioso não esquecer os bens espirituais que, irradiados de nós mesmos, aumentam o teor e a intensidade da alegria em torno de nossos passos”. 3
Para facilitar o trabalho de divulgação do Cristianismo nos primeiros momentos, devido a perseguição dos romanos, os apóstolos passaram a se reunir em um local muito simples, realizando o acolhimento aos sofredores, que ficou conhecida como Casa do Caminho. Esse local chegou a ser conhecido por Gamaliel, antigo mestre de Saulo de Tarso, onde conheceu Pedro e o singelo trabalho que realizavam pelos necessitados. 4
A verdadeira caridade é simples e realizada de coração. Existe sem sombra de dúvida a necessidade material do corpo como a fome, porém a consolação, o acolhimento e o esclarecimento espiritual podem promover um processo de libertação daqueles que sofrem e não encontram uma saída para suas aflições.
A sabedoria nas palavras de Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier, nos desperta a responsabilidade na condição de aprendizes da vida que buscamos nos tornar sempre pessoas melhores a cada dia:
“Possuímos aquilo que damos.
Não te esqueças, pois, de que és mordomo da vida em que te encontras. Cede ao próximo algo mais que o dinheiro de que possas dispor. Dá também teu interesse afetivo tua saúde, tua alegria e teu tempo e, em verdade, entrarás na posse dos sublimes dons do amor, do equilíbrio, da felicidade e da paz, hoje e amanhã, neste mundo e na vida eterna”. 3
Referências:
- Schutel, Cairbar; Parábolas e Ensinos de Jesus (1928); 1ª p. - As Parábolas e a sua Interpretação; Ed. Clarim.
- Calligaris, Rodolfo; Parábolas Evangélicas (1963); Ca.14 - Parábola do bom samaritano; Ed. FEB.
- Xavier, Francisco Cândido; Fonte Viva (1956) Emmanuel; Cap. :117 - Possuímos o que damos; FEB.
- Wikipédia (Enciclopédia Livre).

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